Momento de Paz

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Fecho os olhos e não sei para onde vou

Uma voz vem e me pergunta quem eu sou

Mas a resposta não sai mais

Eu procuro e não encontro minha paz

O silêncio perturba, como se tudo se calasse

Não sei o que estou sentindo nem o que quero sentir

Imploro ao mundo apenas um motivo

Que me faça voltar a sorrir

Amanda Macuglia

♪ Echo – Jason Walker ♪

Deprimente.

Talvez esta seja a única palavra capaz de definir este momento. Imagino o que meu pai diria ao ver sua menininha vagando por uma estrada deserta, com a maquiagem borrada e o cabelo bagunçado, e uma garrafa quase vazia de vodka na mão. Levo-a até os lábios para sorver mais um gole em um último fio de esperança, mas novamente o efeito é nulo. Não sinto nada. Esperava que o álcool percorrendo minhas veias me queimasse por dentro, ou talvez trouxesse de volta o meu momento de paz. Mas não, o liquido ardido apenas me entorpece ainda mais. Meus pés tocam o asfalto cheio de pequenas pedras. Posso ver o sangue escorrer pelos arranhões feitos pelo caminho, mas a dor também é inexistente. Por um segundo, tento lembrar onde havia deixado meus sapatos, mas não consigo. Talvez no último bar em que entrei. Logo, um riso irônico atravessa minha garganta. Não importa. Nada mais importa.

Sinto um pingo tocar minha testa e ergo a cabeça. A visão esta turva, mas consigo ver a chuva que começa a cair. Aparentemente, não é apenas dentro de mim que a tempestade acontece. Suspiro de forma profunda e ando cambaleando mais alguns passos para sair da estrada, sentando sobre a grama do acostamento. Uma fina garoa cobre meu corpo. Olho em volta e outro riso angustiado surge ao perceber onde eu estou. Podia jurar estar andando sem rumo. Outro riso curto. Parece que não.

Quase um ano atrás, neste mesmo lugar, meu carro capotava. Havia um homem dirigindo. Ele morreu. Pelo que me disseram, era apenas um conhecido que se ofereceu para me levar para casa após uma festa, pois eu estava bêbada demais para dirigir. Irônico, não? Por seu gesto de gentileza, nós dois morremos naquela noite.

Eu não me lembro dele, não sei se éramos amigos. Sei que seu nome era Luís e que era uma boa pessoa. Minha família não fala muito, é doloroso relembrar do acidente e do que aconteceu depois. Passei duas semanas em coma, com médicos dizendo que minhas chances eram mínimas. Meus pais sentiram medo de que eu morresse, mas não entenderam que, mesmo que tenha acordado, de alguma maneira eu morri. Cinco anos de lembranças foram apagadas da minha memória. Sinto como se tivesse dormido com 23 e acordado com 28. Alguns acham que isso é um presente, como se eu ganhasse a oportunidade de fazer tudo de novo, mas não é. Não sou a pessoa que eu era com 23 anos, tenho certeza disso. Não me sinto como ela. Mas também não faço ideia de quem é a mulher que me tornei.

Meu maior tormento, porém, é a sensação de vazio dentro de mim, como se eu estivesse de luto, perdido alguém que eu amasse muito. Sei que não foi Luis, todos dizem que eu mal o conhecia. Então, por quem seriam as lágrimas que eu derramo todas as noites antes de dormir? Quem é esta pessoa que, sem, me sinto incompleta? Dizem que choro de saudade de mim mesma, mas sei que não é isso. É algo a mais, como se metade da minha alma tivesse sido arrancada.

"Você é o meu melhor momento, Lana. Cada vez que penso nos melhores dias da minha vida, você está presente. Sempre."

Um sorriso aguado toma conta do meu rosto e meus dedos cobrem o pingente de safira pendurado em meu pescoço. Logo que sai do hospital, toda vez que fechava os olhos minha mente era assombrada por um sonho. Sempre o mesmo sonho. Nele, um homem de rosto embaçado acariciava meu rosto e meus cabelos. Chamava-me de seu melhor momento, dizia que me amava, me pedia para encontra-lo, mas eu nunca conseguia. Não sei quem é. Não sei se existe. Mas sinto sua falta. Por algum motivo que não consigo entender, o sonho deixou de confortar minhas noites solitárias, e então foi quando perdi a noção de como era sentir algo; qualquer coisa que fosse. A embriaguez era o único caminho que me levava até o sonho outra vez, naquele meu único momento de paz onde não há um buraco no meu coração. Tomo outro gole grande da bebida, me sentido zonza e embriagada. Aperto minhas pálpebras e tento me lembrar da ilusão e do sentimento que ela me trazia.

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