Cinzas

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Rápidamente, Ten começou a correr em direção ao seu lar, assustado com os monstros reles que gritavam às portas da sua cidade, mas ainda confiante nas capacidades superiores do seu povo. No entanto, qualquer que fosse a dúvida de Tennzin quanto ao resultado da batalha por vir, desapareceu em uma questão de segundos, com outro barulho, um rugido. Um novo ruído ecoou pelo vale,aquele barulho do vento, e o cheiro no ar, a própria temperatura daquele local a aquecer,este clima para sempre marcou a memória do jovem Tennzin. Era um Dragão de Fogo de Ungalar que sobrevoava o exército gigantesco.
Os orcs não eram nada com que um Ellianor comum não conseguisse lidar, seres burros e malignos, uma patética amostra de um ser vivo, capazes apenas de rejubilar no ódio e destruição. Mas o dragão... os dragões eram seres de pura maldade e fogo, dominavam o mundo milenios antes do aparecimento dos homens e até dos elfos. Antes e durante a primeira era, os dragões eram demónios superiores e imponentes, que podiam viver milhares de anos, em alguns casos, os dragões nem sequer paravam de crescer, quanto mais vivessem, maiores ficavam. Especulavam até, em lendas, que esses dragões eram capazes de falar. Mas os dragões mudaram, começaram a apegar-se ao ouro e aos tesouros dos elfos e anões, acabaram por ser derrotados e praticamente extintos. Os que sobraram ficaram mais fracos, mais pequenos e consideravelmente mais burros. Naquela altura, ver um dragão era raro, mesmo assim, a presença de um dragão, onde e quando quer que fosse, era sinônimo de destruição e chacina. Naquela altura, Tennzin não fazia ideia da razão pela qual alguém convocaria tanto mal para destruir o seu lar, os seus pensamentos eram apenas ocupados com terror e confusão.
Quase todos os Ellianor ouviram ou leram sobre as lendas dos dragões e sabiam, EdenVale estava condenada.
Dentro da cidade os batalhões de 500 Ellianor cada um começavam a tomar as suas posições, os arqueiros ocuparam as muralhas e preparam-se para fazer chover morte sobre os orcs à sua frente. No total, 5.000 soldados Ellianor estavam preparados para morrer a defender as suas famílias e o seu lar, protegidos pelas majestosas muralhas de pedra verde, altamente resistente com cerca de 15 metros de altura. Apesar de ser considerada quase impenetrável, quem descreveu a cidade desta maneira não contava, certamente que ela fosse atacada por um dragão.
A besta alada, com um bafo de fogo, reduziu a cinzas uma grande parte do exército, destruiu uma parte das defesas, e os orcs começaram a entrar. Apesar de mais habilidosos, os soldados Ellianor eram muito menos numerosos, começaram a perder a vantagem após a destruição da muralha. Com a queda do grande muro, os bravos Ellianor podiam ver um oceano de 30.000 orcs, que gritavam cânticos de guerra e batiam com as suas lanças no chão. Os soldados ergueram os seus escudos e prepararam as suas lanças. Não se deixavam intimidar, a sua formação de parede de escudos substituía a própria muralha. A fina linha de Ellianor experientes e disciplinados serviu para travar, durante algum tempo, um exército inteiro de orcs. Mas nada podia ser feito contra a fúria do dragão. Preparando-se para sobrevoar a cidade mais uma vez, a silhueta do dragão foi grande o suficiente para cobrir todos os soldados. Eles rezavam pelas suas vidas, ao verem a sombra negra que aparecia em cima deles. Poucos segundos depois, a rajada de fogo do dragão cobriu todos os guardas em formação de muralha. Rapidamente, uma bela paisagem de uma fortaleza na montanha e uma vila perto do rio transformou-se num cenário de guerra sanguinário, vermelho, de sangue e fogo. EdenVale estava quase destruída, era agora um campo de batalha devastado.

O rei Ardïll lutou para proteger a fortaleza, mas a sua ruína aguardava-o lá. Morthog, o cinzento, o comandante do maior exército de orcs convocado em vários anos, conhecido por ser muito mais mais forte e mais resistente que um orc normal, tratou pessoalmente da situação. Morthog media mais de 2 metros e segurava um martelo de guerra de 15 kilos. Ardïll e seus soldados estavam longe de intimidados, a motivação deles em proteger a cidade e o seu legado dava-lhes forças sobrenaturais. Dirigiram-se ao orc gigantesco, mas tiveram um destino sangrento, após uma grande luta, o líder da cidade foi esmagado pelo martelo. O seu filho Idïll acabou por ser empurrado da grande varanda da fortaleza ao tentar acudir o pai. Idren, o seu neto foi decapitado por um orc da frente de batalha, enquanto comandava um batalhão de soldados que partilharam o mesmo destino. Poucas horas após o início do massacre, Morthog e as suas hordas penduraram na varanda os corpos dos três membros da familia real, avô , pai e filho. A linhagem estava acabada. Não haveria mais herdeiros da primeira família para liderar os homens-elfo. A raça dos Ellianor estava condenada.

Tennzin, que havia estado escondido a maior parte da batalha, reparou que não havia quaiquer sinais de vida à sua volta, achando que não corria perigo, decidiu tentar a sua sorte e correu para a sua casa em chamas para procurar a sua família. O jovem Ellianor estava desesperado, nunca tinha visto tanta morte e tanta destruição, espantava-o a maneira como os orcs matavam sem motivo, só por raiva e outras razões mais sádicas, que só orcs podiam compreender . O Dragão destruía tudo à sua passagem, pessoas e edifícios, nada permanecia atrás do rasto de chamas da besta alada. Tennzin, era forçado a ver o lugar e as pessoas com quem havia crescido a cair morto à sua volta. Mas Ten ganhou forças e foi procurar a sua familia.
Tennzin encontrou a sua mãe no chão, com uma viga incendiada em cima do seu ventre, que a impedia de se mover. Esta estava a chorar, apenas fazendo sinal com a mão ao seu filho e, tentando com todas as suas forças, pedir-lhe que se fosse embora.
Imediatamente, Ten tentou remover a viga, mas era demasiado pesada para a força de uma pobre criança. A mãe dele gritava para que ele fugisse, mas Tennzin não queira deixar a mãe para trás. Pouco depois ambos reparam que um orc hediondo com um riso sádico e uma faca na mão saiu de trás dos escombros, preparando-se para os matar aos dois. Ten tentou lutar com o orc, que divertidamente o empurrou e viu cair para fora da pilha de cinzas. O pequeno Ellianor tentou voltar a subir mas, o orc era mais forte, simplesmente o atirou novamente, enquanto se ria às gargalhadas. Tennzin teve uma sensação de desespero atroz, por mais desejo e força de vontade que tivesse, ele era inferior ao orc, e sabia que a sua força ultrapassava a dele. Estava sujeito à vontade do seu oponente. A diversão do orc foi interrompida quando um dos guardas da cidade pontapeou o orc para longe, agarrou Tennzin e começou a correr para fora da cidade.
Ten esperneava e gritava pela sua mãe, que tinha ficado dentro da casa em chamas, enquanto viu o orc a levantar-se, com um sorriso horroroso que revelava o seu prazer no meio de toda esta violência. Brutalmente, o ser maligno agarrou na mãe de Tennzin pelos cabelos e, sem hesitação, degolou-a.
Tennzin libertou um grito agonizante, apenas lágrimas e tristeza podiam caracterizar a jovem criança naquele momento. Como poderia Ten ser tão limitado, não podia ajudar a defender a sua cidade, nem sequer conseguira salvar a pessoa que lhe dera a vida. Tennzin presenciou a maior dor que havia sentido e que jamais voltaria a sentir, a dor de ver a mãe dele morrer.
O guarda que levou Tennzin para fora da cidade voltou para dentro para ajudar os seus camaradas. Tal como os outros,não saiu novamente.

   O dragão voou para longe e os orcs foram saindo da cidade, à medida que o tempo passava, não revelando qualquer interesse em pilhar ou conquistar o local, limitaram-se simplesmemte a arrasar a cidade sem nenhum motivo aparente.  Algumas horas mais tarde, quando já não havia sinais de orcs nem do dragão por perto, Ten decidiu entrar novamente nas ruínas da cidade. A últimas memórias que Tennzin guardaria da sua mãe eram de lhe ter desobedecido e de não ter tido força suficiente para a salvar. Apesar disso,o pior que Ten lembraria acerca da sua mãe seria o facto de,  inconscientemente, as ultimas palavras que lhe dirigira terem sido" Odeio-te". Não sabia onde estava o seu pai, nem sequer sabia se estava morto ou vivo.
A cidade estava vazia, e completamente devastada. Ten tinha lágrimas nos olhos e conseguia ainda sentir o calor infernal e as cinzas a cair na sua cara. Só lhe restava olhar para as casas e cadáveres queimados no chão, relembrando a feliz imagem de como era o seu lar, quando tinha vida. Se era que tal coisa existia, Tennzin havia conhecido bem cedo o significado de "inferno", lugar no qual teria de viver dali para a frente. Nesse dia, Ten desenvolveu um ódio mortal por orcs, e um juramento de matar todos um por um. No entanto, na situação em que estava, a única opção que tinha era partir, pois tudo o que sobrava da antiga cidade de EdenVale, lar de Tennzin, filho de Dennzin, eram cinzas...

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