Cap 11

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"Nada pode substituir um grande amor. Tampouco a dor"

Meu supervisor já me chamou no escritório assim que pisei na fábrica. Mais uma falta ou atraso e eu estaria na rua.
Engraçado que nem isso tirou meu bom humor. Trabalhei com o cansaço no corpo que vinha sentindo a alguns dias, mas trabalhei feliz.
Quando o expediente acabou, sai quase correndo e já me imaginei pulando no braços do Kauã, como naquelas cenas de filmes românticos .
O romantismo se perdeu quando não o encontrei. Ele com certeza se atrasou.
Tinha um ponto de ônibus ao lado da fábrica. Me sentei lá e esperei.
Uma hora.
Duas horas.
Quatro horas.
Ele não apareceu.
Meu coração se encheu de dor e tristeza. Então essa era a forma dele dizer tchau. Covarde, filho da mãe!
Triste e desiludida, entrei no primeiro ônibus que passou e fiquei vagando sem rumo pela cidade, sem saber onde descer.
Encostei a cabeça no vidro e deixei que as lágrimas viessem. Estar doente era uma barra, mas estar sozinha era muito pior.
Nem minhas roupas eu tinha. Deixei tudo no apartamento dele. Só estava com meus documentos e o pouco de dinheiro que minha mãe tinha me dado.
Cansada demais, acabei descendo perto do trabalho quando o ônibus retornou ao ponto e me hospedei em um hotel horroroso, mas que tinha uma diária acessível ao meu bolso.
Não dormi bem e antes que o dia amanhecesse, fui até um supermercado vinte e quatro horas, comprei alguns produtos de higiene e uma troca de roupa. Meu dinheiro já estava pela metade.
Voltei para o hotel e me troquei para o trabalho. Como não era muito longe da fábrica e faltava quase uma hora para entrar no trabalho, decidi ir a pé.
Gelei, quando avistei de longe o carro do Kauã parado. Ele estava encostado na porta olhando para o portão da fábrica. Será que a consciência pesou e ele veio verificar se a obra de caridade dele estava viva?
Idiota!
E lindo!
E de camisa branca!
Arhhh como você é trouxa Nicolle.
Eu não daria esse gostinho pra ele. Ele não me veria. Fiz um desvio e fui para os fundos do galpão. Tinha uma entrada lá para carga e descarga.
Entrei por lá. Sorri ao imaginar a cara de bobo dele depois de me esperar horas e não me ver. Afinal, chumbo trocado não dói.
- oi, Nicolle- escutei alguém me chamado.
Me virei e dei de cara com Felipe.
- oi.- respondi sem muito entusiasmo.
Ele trabalha no escritório da fábrica e já tinha me chamado várias vezes para sair. Eu nunca aceitei. Não sei o porque.
- essa semana você tem compromisso também?- ele perguntou sorrindo.
Eu sempre inventava uma desculpa.
Uma vez, eu não tinha mais o que falar e matei uma tia. Que Deus me perdoasse por aquilo. Eu nem tinha tias. No outro dia, ele me mandou um buquê de flores e as condolências.
Fiquei com a consciência pesada por uma semana.
- não. Eu só tenho um compromisso, mas não tem dia marcado ainda.
Eu tinha compromisso com a morte. Isso era um pouco macabro, eu sei!
- quer sair para jantar comigo amanhã?
Eu poderia matar outro parente. Poderia ir para o hospital. Eu poderia dizer centenas de coisas. Mas meu coração queria revanche. Ele queria vingança!
- vou adorar- respondi abrindo um sorriso que definitivamente não era meu.
- me passa seu endereço. Vou te buscar.
Ops!!! Como dizer seu endereço se você não tem onde morar?
- eu....me diz onde vamos, que chego lá. Eu tenho coisas para fazer na cidade e depois vou direto.
Se o Kauã estivesse aqui já diria "Nicolle, quero a verdade."
Eu estava gaguejando e passando as mãos pelo cabelo feito uma idiota.
E o pior era saber que ele perseguia meus pensamentos. Que droga!
- me diz seu telefone que te mando o endereço por WhatsApp.
Arhhh. Eu também não tinha telefone.
- Anota em um papel pra mim? Eu não sei meu telefone de cabeça e esqueci ele em casa.
Sorri, provavelmente já vermelha, tentando ser simpática e quase me arrependi de ter aceitado o convite.
- eu estou sem papel e caneta aqui. Até a tarde te procuro e te entrego.
Ele se despediu e eu fui trabalhar totalmente sem estímulo.
Meu corpo doia no mesmo ritmo que meu coração.
Não fazia nem uma hora que estávamos trabalhando, quando foi anunciado nos alto falantes que todos os funcionários da produção se dirigissem para  o galpão de reuniões.
Com toda certeza ouviríamos a mesma história de sempre. Que a empresa precisava produzir mais e quem não correspondesse ao esperado estaria sendo observado. Eles só não falavam sobre a falta de funcionários, já que mandaram vários embora, e sobre a sobrecarga de trabalho.
As maquinas foram desligadas e rapidamente viramos um aglomerado de pessoas barulhentas em um galpão quente e apertado.
Eu fiquei no bem no meio, sendo esmagada, me sentindo uma sardinha.
Em cima do pequeno palco, surgiu o senhor Charles, dono da fábrica e atras dele um homem muito conhecido por mim!
Gelei, depois congelei e por fim me derreti! Se fosse água estaria evaporando nesse momento.
O quê! Ele! Estava! Fazendo! Aqui?????
- hoje tivemos uma ocorrência policial sigilosa nos arredores da fábrica. O delegado da polícia federal nos pediu a gentileza de conversar com alguns funcionários e fazer breves perguntas.
Respirei aliviada quando percebi que não tinha nada haver com sua visita. Mas senti lágrimas de tristeza brotar nos olhos, porque eu queria que tivesse. Eu disse, sou bipolar.
- eu vou deixar ele livre para chamar e vocês cooperem com o que precisar.- ele completou.
Ele entregou o microfone para o Kauã e meu coração foi de 0 a 1000 batimentos cardíacos em dois segundos. Ele era mais potente que o novo camaro.
- bom dia. Eu gostaria de agradecer a atenção de todos e ao Charles por permitir que nossa investigação tivesse continuidade. Estamos procurando uma pessoa que está desaparecida e foi vista nas redondezas. Eu preciso que permaneçam aqui, todos os funcionaria que hoje pela manhã, entraram no trabalho pelo portão de carga e descarga e picaram cartão na máquina 2.
Engoli em seco. Justamente hoje, pra fugir dele , eu tinha feito isso. Era muito azar para um ser humano só. Definitivamente eu devo ter jogado tachinhas na cruz, porque só pedras não seriam suficientes para tamanho azar.
Me peguei pensando se existia tachinhas na época de Cristo e quando percebi ficamos somente em cinco funcionários. Todos os outros tinham voltado para o trabalho. Claro, ninguém entrava por aquele portão.
Ele desceu lentamente as escadas e não me olhou. Nenhum minuto sequer. Hoje, eu era só mais uma possível meliante.
- algum de vocês entrou meia hora antes no trabalho hoje?- ele perguntou, se aproximando de nós.
-não!-todos falaram em uníssono. Menos eu.
Eu tinha chegado cedo, tudo por culpa dele e agora teria que ser interrogada. Nesse momento eu já estava imaginado que era soda cáustica que eu tinha jogado na cruz.
- a senhorita não me respondeu- ele falou rudemente, pela primeira vez olhando pra mim.
De cabeça baixa, respondi em sussurro:
- sim.
- podem todos se retirar. Já tenho a testemunha.
Obedientemente todos saíram.
- a senhorita vai me acompanhar até aquela sala, por favor.
Ele apontou para a porta de um escritório que era usado para reuniões com os funcionários.
Sai, andando para a forca. Senti seu olhar sobre mim e me arrepiei.  Será que ele seria capaz de me prender de novo?
Se a prisão fosse feita sob seu comando, ele precisasse me revistar e essas coisas todas, eu achei que não seria má ideia.
Entrei e escutei ele trancar a porta. Não tive coragem de me virar.
- Nicolle, olhe pra mim- ele ordenou.
Agora eu era "Nicolle". Cadê o senhorita?
- pois não, senhor delegado- falei o encarando.
- onde você estava, Nicolle?
Ele cruzou os braços e as sobrancelhas. Ele estava bravo.
- o motivo de ter me chamado, era para saber sobre uma investigação. Não vou falar sobre outro assunto- respondi no mesmo tom de voz.
Quem ele pensava que era para me deixar sozinha, sem nem roupas pra vestir e casa para morar e agora aparecer querendo saber onde eu estava? Ele se achava muito importante mesmo!
Inesperadamente, ele deu murro na porta de madeira.
Assustada, pulei para traz e me encostei na parede. Ele se aproximou e ficou a poucos centímetros do meu rosto. Eu poderia sentir sua respiração irregular.
- eu passei a noite te procurando. Eu não dormi, vivi um inferno imaginando o que poderia ter acontecido com você e o que você FAZ?- ele berrou- você chega de manhã e entra pelos fundos para não me ver. Será que você perdeu o juízo?
Ops! Ele estava gritando comigo de novo. Opção errada Kauã.
Apontei o dedo para sua cara e resolvi perder o juízo de vez.

Por um amor como dos livros (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora