Cap. 8: A Primeira Noite

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Enquanto caminhava pelo corredor de quartos, tentando ser o mais silenciosa possível, mais lindas jovens começaram a aparecer. Ali dentro, por ser um aposento pessoal, estava escuro, e a única luz era a da lua, que entrava pela pequena janela no final do corredor. Os vestidos farfalhavam, e eu conseguia ouvir os cochichos, sem um resquício de ansiedade. As garotas pálidas apenas conversavam sobre fatos do cotidiano, pairando por ali como fantasmas ao redor do meu buraco de preocupação. Tive de cerrar meus punhos para que parassem de tremer.

"Regra número 1: (as palavras de Rubi retornavam à minha mente, como num filme incansável) sorria. Demonstre alegria, mas não tolice. Os Frequentadores sentem-se mais impelidos através de gentileza, e não de brincadeiras.

Regra número 2: nunca demonstre insatisfação com o local. A Sociedade deve ser respeitada e elogiada à todo momento.

Regra número 3: jamais ofenda um Frequentador."

Abaixei a cabeça. Era demais para lembrar, era demais para fazer. Apesar de todas as explicações, eu não fazia ideia do que aconteceria. A única coisa da qual tinha certeza, era querer esmurrar cada um daqueles seres desprezíveis chamados Frequentadores, que apoiavam uma sociedade tão vil e nojenta.

- Pronta, bambina? - disse uma das garotas, sorrindo cruelmente.

Engoli em seco, segurando a vontade de responder com uma provocação.

- Sim. - mas era óbvio que não.

Então, a porta do corredor foi aberta, e a luz do lado de fora inundou as paredes vazias.

- Venham, minhas pequenas. Hora de começar. - a voz, que eu tinha certeza ser da mesma mulher que me entregara o cálice na iniciação, fez com que todo o meu ser se arrepiasse.

A multidão começou a andar, me arrastando junto.

Saímos do corredor, desembocando no poço de passarelas. A luz forte, proporcionada pelo lustre imenso de cristal, que brilhava no meio de tudo, fez meus olhos escurecerem por um breve momento, pelo menos até entrarmos em uma sala, escondida pela cortina vermelha. Bem... não era uma sala. Era como o bloco principal de um restaurante chique, com dezenas de mesas ocupadas por pessoas bem vestidas. As toalhas brancas estavam cobertas de refeições diversas, vinhos finos, e talheres de prata. O burburinho da conversa preenchia o espaço, e os rostos alegres dos Frequentadores contrastavam com aqueles vazios das bambolas... ou não. Quando me virei para todas elas, em busca de alguma ajuda, deparei com sorrisos luminosos, que destoavam ainda mais do que as caretas de antes. Quando tentei falar alguma coisa, não tive tempo nenhum, pois simplesmente sairam dali, cada uma na direção de uma mesa distinta.

De repente, um par de olhos ali perto começou a me encarar. Era um homem, grisalho e de pele acinzentada, que tinha a expressão mais fria que gelo. Meu coração acelerou, em profundo pânico. Eu não tinha forças para fazer o que me fora ordenado.

- Apenas ande até lá e o cumprimente. A conversa será ele quem irá formular. - ouvi um sussurro, tão próximo da minha orelha que arrepiei.

Ônix estava ali, o cabelo antes ondulado e manchado agora liso e puramente branco. Estava ajeitado em um penteado perfeito, que caía sobre o olho direito de um jeito elegante. Vestia um terno branco e nenhuma gravata, o que não deixava a desejar.

- Não sei se consigo. - sussurrei para ele.

- Consegue. Você precisa conseguir. - foi a última coisa que disse, antes de também seguir para uma mesa distante.

Você vai deixar um homem cinza te assustar? , perguntei para mim mesma. Não, era a resposta. Cerrei os punhos, escondidos pela saia do vestido, com mais intensidade, respirei fundo, e começei a andar. Precisava fazer aquilo, por isso continuei me aproximando da mesa enfeitada.

- Boa noite, senhor. - cumprimentei, sorrindo. Simular falsa alegria havia sido mais fácil do que eu pensava.

- Boa noite, senhorita. Posso perguntar qual o seu nome? - ergueu uma sobrancelha.

- Alessa, senhor. Meu nome é Alessa. - lembrei das palavras de Rubi, que dissera para mim não revelar o sobrenome.

- Muito bem. Por favor, sente-se. - não era um pedido.

Obedeci, assentindo com a cabeça. Sentei na cadeira de veludo vermelho, ajeitando a saia com o máximo de elegância que conseguisse.

- Quantos anos você tem? - perguntou, sobre a borda do copo de vinho.

- 15. - sorri, tentando ignorar a grosseria do homem.

- Ah, idade de ouro. Cuide bem dela. - falou, piscando e tomando um gole do líquido.

Como se eu pudesse fazer isso estando aqui, quis responder. Ao invés disso, apenas alarguei o sorriso falso.

- Será que poderia te chamar novamente algum dia, Alessa? - perguntou, dando o assunto por encerrado.

Me levantei, quase de um pulo, e inclinei a cabeça.

- Sim, senhor. - me virei e saí.

Quase suspirei de alívio. Eu havia sobrevivido, sobrevivido até ouvir a frase de dispensa. Queria voltar lá e socar o homem, botá-lo em seu devido lugar. Mas não o fiz, apenas voltando para a posição de antes.

- Bambola. - ouvi outra voz masculina, chamando-me de lado.

Minha alegria morreu. Eu teria de fazer aquilo novamente. Fingir novamente. E o pior é que nem aquela seria a última vez.

- Sim, senhor? - perguntei, procurando pelo rosto que me chamara.

- Posso perguntar qual é o seu nome? - era a frase de chamada.

Vinha de um homem baixinho, franzino e com uma barba farta. Balançei a cabeça positivamente, aproximando-me de sua mesa.

- Alessa, senhor. Meu nome é Alessa. - respondi.



Bambina = menina pequena.

Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora