Quando o dia raiou de novo, eu me sentia vazia. A exaustão, por ter deitado apenas meia noite e meia, nem se comparava com o buraco mental. Tantos sorrisos falsos, tanto fingimento, tantas palavras vazias, tanta... dor de cabeça, não podiam fazer bem para alguém. Aliás, a dor de cabeça estava intensa. De verdade. Levantei, cambaleante, e andei até o banheiro, pensando em lavar o rosto. Acendi a luz, enfiei o rosto debaixo da torneira, e deixei minha testa resfriar. Quando me senti um pouco melhor, fechei a torneira e levantei o rosto, secando-o na toalha. Uma mecha de cabelo molhado havia grudado em minha bochecha, por isso, afastei-a. E, quando o fiz, o susto foi imediato. Arquejei, largando o cabelo. Me encarei no espelho. E... não.
- Argh! - engasguei em um grito.
Meu cabelo, que era para ser castanho escuro, estava loiro. Platinado, de tão claro.
- Bom dia, Ales... - Bianca não terminou, assim que me viu dentro do banheiro.
Sua boca se abriu em "O", e seus olhos cerraram-se.
- Céus... - sussurrou, levando as mãos à boca.
- O que está acontecendo, Bianca?! - quase gritei - isso é normal?!
Ela deu dois passos para trás, negando com a cabeça.
- Não tão rápido assim. Não depois de apenas 1 dia. - mumurou - eu... vou ter que falar com a senhorita Meena.
Virou-se e correu pela porta. Voltei para o banheiro, me encarando no espelho. O loiro do meu cabelo era tão claro, que chegava a ser quase branco. Mas não era a única mudança, não mesmo. Minha pele estava pálida, as veias nos pulsos totalmente visíveis em um tom azulado. Olheiras feias e escuras encontravam-se debaixo dos meus olhos, e os contornos de minha boca estavam em um tom roxo, como que de frio. Porém, o que mais me assustou foi a falta do rubor que sempre surgia em minhas bochechas quando eu estava nervosa. E, no momento, eu sem dúvidas estava uma pilha de nervos.
- Onde ela está? - pude ouvir a voz suave de Meena, assim que se aproximou do quarto.
- Aqui, senhorita. Sente-se. - passos correram até o banheiro - venha, Alessa. - Bianca me puxou para fora.
Meena estava sentada na cama quando apareci. Estava ereta e inexpressiva, os olhos gélidos percorrendo o cômodo. Quando me viu, pude perceber o leve arregalar de seus olhos, e a leve inclinada que deu, mais para trás. Talvez aquela fosse a primeira emoção verdadeira que eu vira em Meena, mesmo que discreta: choque.
- Meena, eu não sei se isso é normal ou não. - disse Bianca, a voz trêmula - nunca havia visto um resultado tão rápido.
A outra apenas piscava.
- Acho que... acho que Ônix deve saber. Afinal, você já viu o que aconteceu com ele. - Meena respondeu, levantando-se. O que ela quer dizer quanto ao "você sabe o que aconteceu com ele"? - só me dê... um minuto...
Ela sumiu pelo corredor. Encarei Bianca, meu medo só aumentando. Eu nunca fui muito de drama, mas dessa vez não pude deixar de fazê-lo. Eu vou morrer? É óbvio que não. É impossível que isto aconteça por causa de um comprimido de nada. Mas o que tinha no comprimido? E assim se seguiu meu debate mental, enquanto sentia meu corpo tremer e a dor de cabeça retornar.
Uns minutos depois, ouvi os passos sincronizados de Meena e mais outro par de pés batendo no chão, na mesma elegância.
- Ela está aqui, Rubi. - disse Meena, entrando no quarto acompanhada de uma figura baixinha e de cabelos negros.
- Hum. - disse Rubi, me encarando com ar de susto - eu... esperava que fosse menos do que isso, não nego. Mas... acho que... meu irmão deve saber alguma coisa.
Sem conseguir conter a ansiedade, exclamei:
- Então vamos falar com ele! Eu não quero - morrer, meu drama interno gritou - que nada aconteça!
Quando já estava andando até a porta, Rubi me interrompeu.
- É que... ele não gosta muito de falar sobre essas coisas. - falou, enrubescendo.
Olhei para ela, incrédula.
- Desculpe, mas eu tenho que tentar. Podem deixar que eu vá sozinha, e não menciono o envolvimento de vocês. Mas, por favor, quero saber se é algo normal ou não. - respondi, mordendo o lábio.
- Ele está meio... mal-humorado. - Rubi falou, e Meena assentiu.
- Do mesmo jeito. Vou fazer isso. - não ia mudar de ideia por nada - onde ele está?
Rubi engoliu em seco.
- No estúdio, no quarto andar do poço. - me virei e saí - calma, Alessa!
Nem dei ouvidos. Simplesmente corri, de camisola mesmo (era comprida, então não haveria problema), para o poço de passarelas. Por ser cedo, vi poucos rostos ali, mas já me olharam suficientemente intrigados. Desci pelo assoalho brilhante, fazendo o máximo para não ser tão barulhenta quanto parecia ao meu cérebro alerta. Assim que cheguei no quarto andar, um dos mais profundos possíveis, corri para a porta com os dizeres "Estúdio", o que facilitou minha procura. Bati com pressa, três vezes. Na quarta, a porta se abriu, e quase soquei o rosto manchado de tinta de Ônix.
- O que foi... - sua frase se perdeu, assim que olhou para mim.
De certa forma, nossos cabelos agora estavam parecidos, apesar de os seus serem ainda mais claros. Tentando parecer mais corajosa, parei de tremer e cerrei os punhos.
- Isso - apontei para meu próprio cabelo - é normal?
Ele me encarou por três segundos. Seus olhos, naquela manhã mais verdes do que pretos, percorreram meu corpo. Deslizaram pela pele pálida, pelas veias altamente visíveis, e pelo cabelo loiro. Depois voltaram ao meu rosto, levemente arregalados.
- Entre. - falou, sumindo para o escuro.
Hesitante, engoli em seco e respirei fundo. Não ia desistir. Por isso entrei.
Lá dentro, quase esqueci o motivo de estar ali. Meu queixo caiu, assim que avistei belos quadros em formação. Algumas pinturas estavam prontas, enquanto outras ainda aparentavam a tinta molhada, e todas demonstravam coisas diversas: flores, paisagens, objetos, pessoas. Percorri os olhos por todas elas, admirada com os traços perfeitos. Então era por isso que Ônix estava sempre manchado de tinta...
- Quando isso aconteceu? - o garoto perguntou, sentando-se em uma bancada de madeira.
Precisei respirar fundo outra vez para começar a explicar.
- Você me viu ontem à noite. Nada de estranho tinha acontecido, eu só estava com uma pequena dor de... cabeça. - pausei - isso depois de tomar a segunda dose diária daquele comprimido rosa.
Observei sua reação. Ele apoiou o queixo na mão colorida, com uma cara nada boa.
- Você sabe se sua mãe tomava alguma espécie de medicamento? Durante a sua gestação? - perguntou, a voz séria.
Quis rir. Sério? De todas as coisas para perguntar, ele me perguntava a coisa mais precisa possível? Mesmo assim, revirei a mente.
- Não sei se ela tomava durante a gravidez, mas... me lembro de ver umas caixas de comprimido perto na mesa de cabeceira dela, todos os dias e sem falta. Mesmo depois de ela falecer, papai as manteve. - respondi.
Ônix suspirou, descendo da mesa.
- Então está quase certo. Sua mãe provavelmente utilizou o remédio que tomamos aqui enquanto esperava você.
Arregalei os olhos, sem entender.
- E o que significa isso?
- Significa que, por menor que seja, uma dose do remédio já está no seu sangue. E a mistura com mais doses diárias causou isso. - respondeu.
Travei. A pior coisa, era que a ideia de Ônix podia ter fundamento.
- Como... como você sabe tanto? - murmurei, chocada.
Inesperadamente, o que ouvi foi uma risada amarga vinda de sua direção.
- Simplesmente sei, porque... - passou a mão pelo cabelo branco, que caía no olho, manchando-o de tinta - foi o que aconteceu comigo.
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Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)
Viễn tưởng☆Sociedade Porcelana - Livro 1☆ "Pareciam bonecos em uma estante. Seus rostos, tão lindos, não tinham emoção alguma. Suas peles, tão brancas e sem marcas, pareciam porcelana. Seus olhos, tão multicoloridos, pareciam pingos de cor em uma tela vazia...