Cap. 10: Muitas Faces

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- Ah... - respondi, arfando.

Ônix me observou, esperando alguma reação. Dava para ver que aquele não era um assunto muito legal de se conversar.

- Então... o que eu faço? - perguntei.

- Diminua uma dose do remédio. Tente tomar a menor que puder. - seus olhos continuavam em mim, sérios.

Tentei ignorar a intensidade de suas íris coloridas, mas era difícil. Acredite, é bem difícil ignorar um garoto manchado de tinta te observando.

- Hã... - murmurei, com todo o medo anterior se dissipando e dando lugar à vergonha - obrigada.

O silêncio foi pesado durante alguns instantes.

- Sabe, não sei porque, mas... você me deu... ispirazione. - o sotaque invadiu sua frase.

- O quê? - perguntei. Meu italiano era péssimo.

Ele balançou a cabeça.

- Nada. - pude notar as pequenas manchinhas vermelhas em suas bochechas brancas.

Ônix andou até a porta, me conduzindo para fora. Um pouco antes de fechá-la, porém, ele exclamou:

- Hã... Alessa. - me virei de volta. Ônix estava com a cabeça apoiada no batente da porta, mordendo o lábio inferior - hoje à tarde nossas aulas começam, afinal é segunda-feira. Meena te matriculou desde ontem à noite, então você vai participar do curso de Literatura, Teatro e Culinária.

Meu queixo caiu. Culinária?! Mas eu disse pra Rubi que não sei fazer nada!!!

- Sério? Tão rápido? - perguntei.

Então, outra coisa inesperada aconteceu: Ônix sorriu.

- Sim. Você gosta de estudar, não é? - o divertimento invadiu seu rosto.

Por pelo menos um segundo, fiquei parada. Aquele garoto era bipolar? Eu não sabia. Mas já havia percebido uma coisa: toda a vez em que se manchava de tinta, ele ficava, de uma maneira impossível, mais bonito ainda. E talvez por causa disso eu tenha travado ao observar seu pequeno sorriso, que não mostrava os dentes.

- Gosto. - falei, firme - e você gosta de pintar, não é? São quadros muito bonitos.

Ele abaixou a cabeça, como que constrangido.

- Sim. Obrigado. - murmurou.

Outra vez, o silêncio retornou, mas desta vez mais leve.

- Você... - começei, sem saber ao certo o que iria dizer - qual é o seu curso na Academia?

Ônix encarou-me nos olhos.

- Eu faço Pintura, Desenho, Teatro e... - sua expressão se fechou - Rubi me colocou na Culinária.

Não consegui evitar. O pensamento de que teríamos duas aulas em comum surgiu na minha mente, e tudo o que fiz foi dar uma risada, sem graça.

- Deus, eu sou péssima para cozinhar. Espero não incendiar a cozinha. - murmurei.

- Eu também. Gosto de cozinhar, mas... comer é tão mais fácil. - respondeu.

Sorri, o primeiro sorriso sincero entre os dois dias nos quais estava ali.

- Então eu acho que vou indo. Vou arrumar as coisas. - dei um passo para trás.

- Sim. Se precisar de ajuda com algo, pode vir me chamar. - e, finalmente, fechou a porta.

Fiquei ali, olhando para o espaço agora vazio na minha frente. Era simples assim, então? Era tão fácil mudar a vida totalmente, em menos de dois dias?

Parecia que sim.

×××

Naquela manhã, eu havia devorado o almoço. Fazia muito tempo que não comia, e eu sentia um vazio enorme dentro de mim. É lógico que o vazio não era apenas fome, mas eu achava que se comesse bastante, iria conseguir tapá-lo por algum tempo. Acho que sei porque Rubi pôs todo mundo na Culinária. Porque ela deseja que substituam a cozinheira deste lugar. Por Deus, que comida ruim.

- Está pronta, Alessa? - perguntou Bianca, alisando pela décima vez a saia de meu vestido.

Pelo que era possível ver, a Academia de Artes não possuía um uniforme, o que motivara Bianca a passar o dia inteiro me arrumando. No fim, terminei com um vestido azul escuro (no mesmo estilo "boneca" daqueles que eu usava na Sociedade), uma sapatilha preta lustrosa, e meu mais novo cabelo loiro preso em um coque firme.

- Não. - respondi, com sinceridade - você estaria, caso tivesse acabado de abandonar sua escola?

Ela me olhou com pena.

- Não, não mesmo. - suspirou - mas torço pela sua sorte.

Engolindo a decepção, assenti.

- Obrigada.

- Muito bem. Então vamos.

Logo, Bianca me dispensou dali, fazendo-me descer o poço de passarelas. Ao chegar no pátio externo, encontrei um considerável grupo de bambolas e bambolottos. Todos estavam sérios, como sempre, e perfeitos em suas roupas de gala. Procurei por Rubi, em busca de ajuda, mas só consegui encontrá-la um tempo depois.

- Está pronta? - perguntou, animada.

Posso dizer que não?

- Ainda não sei. - respondi.



Ispirazione = inspiração.

(Outro cap pequeno, desculpem)




Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora