Som de Sangue

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Antes mesmo do café da manhã, lá estava eu assentado no chão ao pé da cama a tocar violão. Que mesmo desafinado, dentro de um som introspectivo parecia harmonizar perfeitamente com os uivos arranhados da minha voz. Por um instante parei e afinei aquela corda rebelde que insistia em sair da linha. Eu nao tinha planos para aquele dia, queria tocar aquele velho violão como se fosse a última coisa que faria em toda a minha vida. E foi exatamente o que fiz. Algumas horas se passaram, quando notei que o som estava abafado, e gradativamente diminuía sua intensidade até ficar bem baixinho, a ponto de eu olhar as cordas antigas e sujas e perceber que nelas corriam o sangue dos meus dedos. Eu estava atônito. Se difundindo em meio ao som, era como se meus dedos estivessem se desmanchando a cada acorde trocado. Eu não podia parar àquela altura, sentia que a música clamava por ser tocada e exigia que fosse terminada. Continuei, enquanto a harmonia anestesiava meus dedos calejados que persistiam em deslizar entre um e outro acorde. E foi naquele momento que então percebi, não era mais eu que tocava a música, e sim ela que me tocava.

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