Existem muitas outras festividades além da típica festa Junina – mas sempre preferi essa às outras enquanto Emma, minha irmã, ama a Páscoa; cada um tem suas razões próprias (no meu caso, conheci Xavier em uma festa junina indie. Não questionem, por favor). De qualquer forma, em uma delas nenhum membro da família pode deixar de estar presente ao redor da mesa da família Bencan: no Natal.
Xavier e eu esperamos por Emma no aeroporto. Quer dizer, eu espero, enquanto meu namorado abana freneticamente um pequeno cartaz com os dizeres "We Love U, Emma", (Emma, nós te amamos) nervoso.
— Eu já não te disse que Emma é um amor? — rio, entrelaçando nossas mãos para que se sente ao meu lado — Não precisa ficar de pé. Pelo que eu conheço da minha irmã, ela ainda demora.
— Carinho, você tem noção de que nunca fui apresentado a ela? E se Emma não me achar digno? E se ela me achar ridículo? — Xavier está hiperventilando, e finalmente se senta ao meu lado, cobrindo o rosto com o cartaz — Sua irmã é inteligente, viajada, entrou para o Instituto Rio Branco sem maiores esforços e agora estava se especializando na Europa. Já eu...
— Ela pode até se apaixonar — sorrio, apertando sua mão — Mas você é meu. E Emma saberá te fazer sentir em família. Ah, ali está ela, e acompanhada — constato, espremendo os olhos para identificar... Tom.
***
—... E então, ele estava mais ansioso para te conhecer do que a papai e mamãe, acredita? — rio, colocando a última mala de Emma no porta malas do carro de Xavier.
— Emma pode ser bem ameaçadora quando quer — Tom ergue os olhos, lançando um olhar indecifrável a ela.
— É a minha foto de perfil do whatsapp. Te falei que pareço poderosa nela! — minha irmã faz uma pose imponente, a qual é desmoralizada logo em seguida por uma careta engraçada quando Tom a cutuca na altura das costelas — De qualquer forma foi ótimo te conhecer, Xavier. Leléu é muito recatado para falar de alguns assuntos, mas ele não parava de falar em você por um segundo. Sorte minha ter encontrado Tom fazendo intercâmbio na Itália, ou minha única conexão com a língua portuguesa só saberia falar "Xavier, Xavier e Xavier".
— Ei, você não pode me delatar assim! — exclamo, vendo meu namorado dividido entre a risada e a vergonha enquanto enlaço a cintura de Emma e a coloco sobre meus ombros, jogando-a no banco do carro — Não sei como pude sentir tanto a sua falta... Eu devo ter idealizado uma irmã incrível, parceira e maravilhosa para suprir a sua ausência — Emma finge indignação, revirando os olhos para Tom.
— Continuem — incentiva Xavier, rindo, já sentado no lugar do motorista — Nunca imaginei que vocês pudessem ser assim, sabe? Também adorei te conhecer, Emma.
— Assim como? — indagamos, parando uma guerrinha boba de tapas pela metade; logo, o carro reverbera com o som de nossas risadas, rumo à nossa cidade natal. Tom finalmente sorri, desfazendo a desconfiança que parece intermitente em seu semblante.
— Emma, sempre soube que você estaria em boas mãos — diz ele, desfazendo sua pose de bad boy e a puxando para um abraço.
Ainda não consegui calcular se eu tenho muito sorte de ter Xavier ou ele tem muita sorte de conhecer os Bencan, a família mais compreensiva e empática que alguém poderia desejar: meus pais não toleram a minha homossexualidade, eles me apoiam e simplesmente amam Xavier.
Ao chegarmos em casa, dona Clarissa nos reservou um abraço apertado e muitos preparativos de última hora para os meninos, já que Emma precisava descansar da viagem e se reestabelecer em casa. Tom descobre que sempre há mais uma cadeira na casa dos Bencan e decide visitar seu verdadeiro lar no manhã seguinte, quando ocorre a distribuição de presentes no orfanato Santa Luzia.
***
Afinal, ninguém discutiu o verdadeiro significado do Natal à mesa ou fez orações que não se encaixariam no verdadeiro amor ali presente. O que realmente importa para nós agora são as mãos entrelaçadas e o sorriso no rosto de cada um ao agradecermos por essa comemoração, as luzes que Xavier me ajudou a pendurar piscando calidamente em amarelo e o cheiro caloroso no ar.
Meus pais se encaram intensamente, e por trás do gesto envergonhado de dona Clarissa ao ajeitar os fios claros em sua inseparável tiara vermelha, percebo uma orgulhosa e singela chama em seu olhar. Eles não foram corretos, eles foram incríveis. E é a isso que agradeço nessa noite de Natal.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Conto de junidades
Short StoryJunidade (ju.ni.da.de) 1- substantivo abstrato inventado pela autora do conto 2- coisa junina 3- ocorrências de uma festa junina especial O que acontece quando Leléu e Natália voltam para a cidade - tão ambígua a eles - que é São José do Barreiro, o...