Capítulo 11

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x Dante x

Acordo exaurido. Sei que algo está muito errado porque todo meu poder foi esgotado. Isto nunca tinha acontecido antes. Sei que aos poucos vou me recuperar, mas a sensação de incapacidade é sufocante. É como perder um dos sentidos mais essenciais.

Aos poucos percebo que não estou em casa. Não estou no meu quarto em Praetorium. Percebo a forte luz do sol entrando pela janela de um pequeno quarto. Estou em uma cama confortável de madeira. Abaixo da janela consigo ver um sofá.

Uma garota está encolhida entre as almofadas. Os longos e lisos cabelos negros estão espalhados por toda parte. A luz do sol parece bater nos fios e ser sugada. A pele morena está suada mesmo com o clima ameno. Imagino se estamos no fim da tarde ou no início da manhã. De onde estou não consigo determinar se o sol caminha para leste ou oeste.

Ela é uma mulher linda. Mais do que linda. Faz meus pensamentos pararem. Mas, parece preocupada. O suor e as sobrancelhas franzidas indicam sonhos ruins. Lembro-me vagamente de uma pequena mão em meu rosto e de uma voz tranquilizadora. Algo estava errado e eu estava muito ferido.

A garota abre os olhos. Negros como os cabelos, me encaram com intensidade. Lentamente se senta abraçando os próprios joelhos. Mesmo sem conhecê-la, posso dizer que ela não está bem. Parece estar à beira de um colapso.

— O que aconteceu? — pergunto a encarando de volta com meus olhos tão diferentes. Os meus castanhos seriam engolidos por aqueles buracos negros e cairiam no esquecimento se eu me aproximasse muito.

— Não se lembra? — sua voz é clara. Mesmo estando obviamente nervosa, sinto uma confiança repentina. Uma voz doce que pode muito bem ser uma arma.

— Eu não sei bem. Em um momento eu estava com as crianças me despedindo... — então tudo volta. A explosão, um homem estranho tentando me levar para longe antes de tudo acontecer. A dor mais por ouvir que eles estavam mortos do que pelos ferimentos que consumiram todos meus poderes. Tudo aconteceu tão rápido que minhas defesas naturais não foram ativadas.

— Você me curou? Conseguiu resgatar mais alguém? — a garota parece assustada com minhas perguntas em tom urgente. Ela devia estar apenas caminhando nos arredores e acabou sendo sugada para a confusão.

— Eu não te curei, não posso fazer esse tipo de coisa. Gostaria de ter ajudado mais alguém, mas não houve sobreviventes. — ela está chorando. Deve ter visto os corpos. Aquelas crianças tão jovens, tinham um futuro inteiro pela frente. Aquelas eram minhas crianças, elas iam mudar o mundo. Iam ser a melhor coisa do mundo.

Eu não consigo chorar. Não quando estou tão fraco. Não quando a garota deixa as lágrimas escorrem livremente sem se incomodar em enxuga-las. Ela deve imaginar que naquele lugar nós não perdemos apenas vida, mas também toda nossa esperança.

— Eu sinto muito, Dante. Te trouxe para um lugar seguro, aqui eles podem cuidar de você. Imagino que vai precisar de algum tempo para se recuperar. Achei que não ia resistir, mas conseguimos chegar até aqui. Agora você só precisa de tempo para ficar bem. — ela diz essas coisas como se minha recuperação fosse parte da solução de um problema complicadíssimo.

— Qual o seu nome? — pergunto imaginando se teria dito alguma coisa durante o caminho.

— Sofia. Meu nome é Sofia. Antes que me pergunte, nem ignis, nem naturae, não sou nada disso. Eu estaria morta se sofresse ferimentos como os seus. Sou uma anomalia, uma aberração. — ela está descontrolada, não parece estar falando mais comigo. Nunca gostei da abolição dos sobrenomes, sendo substituídos pelas habilidades. Ninguém devia ser definido apenas pelo que nasceu sabendo fazer*.

Mas, o que ela diz não parece ser verdade. Mesmo completamente fora de si, ela passa a imagem de que poderia fazer qualquer coisa. Noto pequenas cicatrizes no pescoço quando ela segura o cabelo com as mãos, passa a impressão de ser uma lutadora. A postura transmite a mensagem de que está preparada para correr ou lutar a qualquer instante.

Mesmo em um momento de vulnerabilidade possuí uma energia no olhar, como se soubesse mais do que deveria. Como se fosse me devorar como uma esfinge caso eu não decifre o enigma por trás do que está dizendo.

Estou tão cansado. Quero muito prestar atenção na garota. Ela parece estar me contando algo importante. Mas eu fico perdido naqueles olhos. Fico perdido, pensado nos olhares das crianças que nunca mais brilharão. Quando noto já estou deitado novamente na cama. Não quero dormir novamente, mas Sofia está dizendo que dormir é uma boa coisa.

Ela caminha na minha direção e, sem muita segurança, segura minha mão. Mais uma vez com aquele toque confortante de calor, deixo que ela me guie para um lugar onde talvez as feridas que não são físicas possam ser tratadas.

— Você não sabe nada sobre o garoto. Ele precisará de semanas para se recuperar, e não parece ser o tipo fácil que vai confiar em um bando de exilados clandestinos. Você precisa ficar ou levar ele para onde quer que você vá.

Uma voz desconhecida me tira do sono pesado. Parece estar há quilômetros de distância. Aos poucos recobro a consciência e percebo que duas mulheres estão discutindo no corredor. A porta está entreaberta e consigo ver a silhueta de Sofia em contraste com a de uma mulher corpulenta.

— Você sabe que não posso leva-lo para onde vou! — a voz se eleva um pouco, mas ela se controla segurando os cabelos mais uma vez.

— Então não vá. Está errado! Você não fez nada além de ajudar. É tão vítima quanto ele. E eu não quero ouvir mais nada em relação a esse assunto. Chega! Você fica, ele fica. Cuide dele e faça valer a pena todo o nosso esforço para salvá-lo. Eu vou dormir no prédio com os outros enquanto vocês ficam aqui.

A segunda mulher saí do meu campo de visão e alguns segundos depois, ouço um trovão ecoar.

— Desculpe por te acordar. Tonitruis têm fama de serem temperamentais. Seria bom se fosse só a fama. Aquela era Emily. Ela coordena este lugar e nos acolheu sem fazer muitas perguntas. — ela fala já voltando para o sofá enquanto me sento na beirada da cama.

— Eu mesmo tenho algumas perguntas. — falo já ansioso para entender o que realmente está acontecendo.

— Eu vou responder tudo que você perguntar, mas preciso deixar claro que minha prioridade agora é te ajudar a sobreviver até que esteja recuperado. E a verdade pode não ser a melhor coisa para a sua saúde no momento. — Sofia fala sem olhar nos meus olhos o que é uma coisa boa. Não gosto da sensação que eles provocam em mim.

— Certo. Então acho que podemos começar com você me dizendo que lugar é este. E não me poupe. Quero a verdade.

— Bom, se está se sentindo preparado para isto, acho melhor te mostrar do que falar.

Ela então se levanta e me oferece a mão. A pego e ela me guia para o corredor minúsculo. É notável o cansaço pesando nos ombros pequenos. Imagino se não sou um reflexo do desgaste que vejo na mulher que está me conduzindo para a noite que é iluminada pela lua.

xxx

*Sofia não começo a tagarelar sobre poderes a toa, por lá não existem sobrenomes, o nome é acompanhado da habilidade. Por exemplo: Emily Tonitrui.

Gosto do Dante narrando. Espero que você tenha gostado também! Se sim por favor, deixe o comentário e a estrelinha.

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