Eu ando tranquilamente para casa, a escuridão da rua não me assusta desde os meus dez anos. (Como eu poderia me assustar com algo tão tolo quando há algo muito mais escuro dentro de mim?) A distância eu posso ver um grupo de cinco crianças brincando na rua, sob o único poste ainda iluminado dessa droga de bairro. Eu posso ouvi-las cantar alegremente e seus risos são tão puros.
Pureza, isso me enoja de tal forma que me faz querer vomitar. Não a mim exatamente, mas à esse cara que divide o corpo comigo. Os psiquiatras dizem que ele e eu somos a mesma pessoa, mas eu não poderia discordar mais. Esse homem matou minha esposa, esse homem desmembrou minha filha. Esse homem matou três enfermeiros e fugiu do sanatório. Esse homem está prestes a matar cinco crianças.
Eu me aproximo, não há outro caminho para chegar em casa. Eu não quero matá-las, mas elas não param de gritar:
"Mate-as, mate-as. Você vai gostar, você vai se sentir bem."
E essas malditas crianças não vão parar de cantar.
"Mate-as, Mate-as" a voz em minha cabeça insiste.
Eu passo por perto delas, muito perto, o foco de luz toca meu rosto e eu sinto que dessa vez, só dessa vez eu poderei me controlar. Apenas dessa vez poderei dominar as trevas que ameaçam constantemente tomar conta de minha mente.
Quando estou indo, no entanto, deixando-as em paz, deixando-as livres, eu sinto algo me segurar. Olho para trás e vejo seu rosto inocente me encarando. É uma garota, ela é tão parecida com minha filha. Eu sorrio para ela e meu sorriso é quase um pedido de desculpas por tudo o que fiz.
Ela sorri de volta e no instante seguinte crava suas unhas em meu pulso. Tão fundo que é quase como se seus dedos fossem atravessar meu braço. Eu grito e tento escapar, mas ela é forte demais, forte de um jeito que nada humano poderia ser. As outras crianças se juntam a ela.
Eu não posso ver seus rostos, mas posso sentir suas unhas e seus dentes perfurando meu corpo em todos os lugares. Rasgando minha carne. Posso sentir suas línguas lambendo meu sangue. E eu não posso fazer nada.
Por fim eles me deixam e se afastam. Eu ainda estou vivo, mas não sei por quanto tempo. Pelo menos não estou sozinho, aqui. Aquele homem em minha cabeça estará comigo até o fim.
Ele está rindo agora, e eu realmente não posso culpa-lo, ele está certo, isso é irônico demais para ignorar: O homem que viveu a vida toda fugindo de sua própria escuridão está morrendo no único trecho iluminado de seu caminho.
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Não Vá Para A Luz
HorrorDesde quando éramos crianças temos essa ideia fixa de que tudo o que há de ruim se esconde no escuro. Aprendemos a fugir do escuro e ir na direção da luz, bem, talvez essa não seja uma ideia tão boa afinal...