Cap. 17: Corações

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Quando acordei pela manhã, antes de o sol nascer ou de Bianca chegar ao meu quarto, pude perceber as mudanças. Rápida e silenciosamente, me esquivei para o banheiro, acendendo as luzes e trancando a porta. Me curvei diante do espelho, tendo em mente o que esperar.

E eu estava certa em imaginar algo estranho.

Minha pele havia perdido toda e qualquer coloração. Não tinha mais marcas, espinhas ou cicatrizes. Levei meu dedo à sobrancelha, lugar onde havia uma pequena cicatriz vinda da infância, e não encontrei nada. Parecia que eu havia passado quilos de hidratante na minha pele, de tão lisa e macia.

Observei o pulso, e minhas veias estavam mais visíveis ainda. Era possível ver toda a sua extensão diante do antebraço, destacando-se em uma cor roxo-azulada. Já meu cabelo, que antes estava loiro platinado, agora chegava ao ponto da cor do leite, caindo em uma cascata de cachos pelas minhas costas.

Suspirei, apoiando as mãos na pia de mármore frio. Me sentia fraca, exausta, e a dor se espalhava por todo o meu corpo, como pequenas pontadas de agulhas diminutas. Cerrei os punhos, segurando a vontade imensa de chorar. O que fizeram comigo?

Não pela primeira ou última vez, fui interrompida em meu momento de fúria: Bianca entrou no quarto, chamando-me para levantar.

×××

Tropeçei na barra do vestido azul-anil. Ele era exageradamente comprido, chegando a altura dos tornozelos, em uma saia de babados ao estilo medieval. Me sentia uma princesa presa na torre, apesar do fato de que a torre na verdade era a toca dos demônios. Desci alguns andares da passarela, me preparando para encontrar o grupo daqueles que iriam à Academia.

Quando cheguei lá, porém, não encontrei ninguém, com exceção de Meena e Rubi, que conversavam silenciosamente.

- O que está acontecendo? - perguntei, me aproximando das duas - não vamos para a aula?

Rubi me encarou. Ao invés de estar sem maquiagem, como ela normalmente ficava durante o dia, seu rosto estava lindamente enfeitado, o que escondia sua pouca idade. Desta vez, me surpreendi, ao ver seu cabelo antes negro pintado em um mítico tom de verde esmeralda. Por mais incrível que pareça, aquilo a deixava ainda mais linda.

- Não. Hoje nós não vamos para os cursos. - respondeu, abrindo um sorriso nervoso.

- Vamos faltar aula, então? -perguntei.

- É necessário. - respondeu Meena, no lugar. Ela estava com o cabelo castanho amarrado rigorosamente, em uma trança embutida.

Franzi a testa.

- Por quê? - insisti.

- Porque hoje uma nova bambola vai entrar na Sociedade. - falou.

Me calei, chocada.

- Já?! - não, não pode ser!!! Outra vida destruída!!!

- As vezes isso acontece. Quer dizer, uma bambola ou um bambolotto entrarem logo depois de outro, assim como as vezes demoram anos para que novos membros sejam encontrados. - ele era fria ao dizer, sem nem piscar.

De queixo caído, encarei Rubi.

- Quem é ela? Quantos anos ela tem? De onde veio? - disparei, agarrando a saia do vestido com força.

Rubi suspirou e, por um segundo, vi a tensão em seus ombros.

- O nome dela é Babi Olivetto. Tem 14 anos. Vinda direto da cidade de Veneza, em um bairro pobre.

- Pobre? - perguntei, já começando a retesar o maxilar.

- O pai dela era um Frequentador falido. - respondeu Meena - e a mãe dela era uma bambola, o que a trouxe para a Sociedade.

Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora