Houveram muitas pessoas na vida de Clarissa. A maioria delas era extremamente idiota e não entendia o que se passava ao redor dela. Às vezes acho que ela deveria repensar seus métodos de vida, mas nunca expressei isso com palavras. Ela era calada. Tinha dois cachorros e um gato. Vivia sozinha e gostava de ouvir bossa nova.
Teve um dia em que eu fui a sua casa para tomar café da manhã. Hoje Clarissa não toma mais café. Ela estava sentada numa das cadeiras de sua casa. A casa era bem estranha, mas estranha de um jeito bom, sabe? Ela tinha uma mania de emoldurar flores secas. Não sei se chamam assim, mas era isso que era. Flores secas. Clarissa estava sentada em sua cadeira preferida e eu estava sentada no sofá. Do ângulo em que eu me encontrava dava pra ver os raios de sol batendo no cabelo cacheado dela.
Clarissa sempre teve uma beleza diferente. Um diferente bom. Naquela manhã conversamos sobre política e música boa.
Eu gostava de ir à casa de Clarissa.
Ela era minha amiga desde os dez anos de idade. Tinha lá suas manias estranhas como tomar café preto pela manhã e ao leite à tarde, ou só usar uma marca de produto de limpeza em toda a casa ou até mesmo ter uma cor de sutiã para cada dia da semana. Ela era assim. Cheia de manias.
Foi num desses ataques de manias que ela conheceu o Rodrigo. Eles estavam passando pela rua e ele esbarrou nela. Ele pediu desculpas e ela olhou para ele como se fosse a pessoa mais estranha da face da terra. Foi até engraçado, eu estava do outro lado da rua observando tudo. Tínhamos marcado de comer alguma coisa no barzinho da esquina. Já era noite quando aconteceu.
Como eu ia dizendo, Rodrigo estava com um copo de café nas mãos e ofereceu a Clarissa como pedido de desculpas. Clarissa bebeu um pouco do café e constatou que era preto. Foi então que tudo mudou. Ele gostava de beber café preto a noite, já ela, gostava ao leite. Acho que ela se esqueceu de mim porque começou a conversar com aquele cara que ela nunca tinha visto na vida e saíram andando juntos. Até pensei em seguir, mas pelas risadas quando chegaram ao final da rua percebi que uma terceira pessoa não seria bem-vinda.
Eles se casaram. Ela e o Rodrigo, digo. Alguns meses depois. Todo mundo achou meio estranho porque eles não se conheciam há muito tempo, mas quem ouvia eles dois conversando tinha a impressão de que tinham sido feitos um para o outro. O casamento foi no jardim central. Tinham muitas rosas e os passarinhos estavam sentados nas arvores como se presenciassem o acontecimento. Foi tudo lindo. Nesse dia serviram apenas suco já que o casamento foi à tarde e nenhum dos dois conseguiu decidir como seria o café servido.
No dia do acidente eu estava no hospital de plantão.
O carro do Rodrigo tinha batido contra uma árvore enquanto voltava para casa. Ele tinha desviado o caminho de casa para passar na cafeteria. Chegou ao hospital sem vida. Não tive coragem de contar eu mesma a Clarissa, mas vi pelo corredor.
Eu queria poder ter feito alguma coisa, mas ela parecia tão inalcançável que acabei não conseguindo falar com ela.
Faz um ano que Rodrigo morreu. Faz seis meses que o filho dele nasceu.
Hoje Clarissa não toma mais café.
— Porque a vida, as vezes, é como flores secas.
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Clarissa
RomanceEste é um pequeno conto de um único capítulo. Esta não é uma história feliz.