Únicos (conto, Sci-Fi)

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Imprime-se inegável o egocentrismo no nome que tais entes adotaram. Únicos. Todavia, a realidade sustentava-se na melancolia implícita da solidão, mais do que qualquer outra essência. Era o que eles eram; Os Únicos.


As chances sempre foram mínimas. Mas, por sorte ou perseverança, tal espécie prevaleceu aos cataclismos, passando por extinções globais e deterioração completa do próprio lar. Após guerras de proporções inconcebíveis, raros sobreviveram, e quase deixaram de existir. Contudo, Únicos, não viera deste êxito. Essa nomenclatura surgira bem depois, quando a calmaria uniu a todos para que ganhassem uma nova perspectiva de si próprios.

Nunca houve outra raça inteligente ao qual poderiam partilhar de suas experiências como civilização. Cresceram e amadureceram em um mundo como a exclusiva forma dominante que ditava as leis sobre a natureza. A ausência de outra espécie sapiente os levou aos astros em busca de alguém. Fora inútil. Por milhares de ciclos de busca infrutífera, encontraram rochas estéreis que jamais abrigariam vida; estavam congeladas, ou queimadas, ou meramente vazias. Quando muito, registravam mundos em zonas habitáveis e revestidos por um monótono oceano de organismos unicelulares. Nada mais e nada além disso. Meramente, pela fatalidade das probabilidades de universo improvável, a vida complexa era inexistente em outro lugar.

Eram eles, Os Únicos.

Com o amadurecer das Eras, o nível tecnológico que estes atingiram os permitiram alterar essa verdade sombria. Suas mentes aperfeiçoadas, tão refinadas e dedicadas exclusivamente aos feitos da ciência, desenvolveram simulacros de seu próprio mundo. Mais do que tudo, buscavam entender o grande porquê da própria solidão.

Os primeiros mundos eram toscos, onde seres iguais a eles geravam civilizações, mas acabavam por fim se aniquilando. As simulações passavam por provações de uma natureza semimorta, de terras inférteis, de mares violentos, erupções em cadeia e guerras. Mesmo assim, eventualmente, um ou outro elemento levava todo aquele povo virtual ao fracasso. Repetiam o processo, sempre terminavam no mesmo resultado: a extinção.

Quando as técnicas de simulação avançaram, começaram a intervir em níveis diferentes, com maior ou menor influência direta. Para alguns mundos, limitavam os recursos naturais, quanto para outros, os recursos eram tão abundantes quanto poderia ser. Juntaram essas variações com criaturas distintas e sencientes em diversas etapas evolutivas, de forma que essas também gerassem civilizações paralelas no mesmo planeta que as simulações dos Únicos.

Os resultados eram tão diversos, que bibliotecas de dados foram criadas para armazenar os eventos gerados. Se fascinavam com cada possibilidade e grande feito daqueles que eram irreais. Os Controladores dos simulacros amenizavam os desastres para permitir que esses povos ascendessem cada vez mais, a ponto dessas criações desses mundos falsos extrapolassem as expectativas, forçando os Controladores a expandir cada mundo; do que antes era um espelho de estrelas falsas e randomizadas, para um universo singular de corpos astrais palpáveis.

Os Únicos enxergaram um potencial maravilhoso naquilo tudo, pois os simuladores aleatoriamente produziam criações que poderiam ser úteis para o universo real. As simulações proviam obras, desde literatura à engenharia, até soluções curiosas para problemas reais; de todos os espectros imagináveis da arte e todas aspectos possíveis do conhecimento, gerando volumes inomináveis de informação, que era copiado para os acervos da Biblioteca. Até que, em um ponto de sua história, essa se tornou a principal atividade dos Únicos, pois assim acreditavam piamente que desvendariam as respostas para eles mesmos.

Mas houve uma simulação específica, entre todas, que alarmou os cientistas daquele povo tão avançado. Um universo artificial com as especificações de programação quase idênticas ao universo real estava apresentando falhas como nunca antes fora registrado.

Essa falha colocou em uma nova perspectiva todas as gerações de coleta de dados para a Grande Biblioteca, e após muito tempo de debate sobre ética no Conselho dos Únicos, a Controladora de maior hierarquia tomou uma decisão.

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Na imensa câmara de proporções colossais, a Controladora deslizava no ar sobre sua plataforma de levitação, ao qual havia direcionado que a levasse até a seção desejada. O Aglomerado de Simulações era uma construção altíssima, com seu cerne oco para a circulação dos demais cientistas.

Não era incomum nas simulações mais avançadas, os seres criarem as próprias realidades simuladas, tampouco era proibido que eles fizessem isso. Mas em um desses casos, isso atingiu um novo grau. O universo gerado ao qual preocupou os Únicos estava demasiadamente gerando seus próprios universos virtuais, estimulando que esses por sua vez criassem mais universos virtuais e, assim, formando camadas de infinitudes, o que ocasionaria erros no sistema de dados que não dava conta de analisar tudo o que era feito.

Uma falha de sobrecarregamento. A Controladora sabia que era isso. Após atravessar centenas de seções, ela chegou até o local certo e se aproximou. No console do braço cibernético, inseriu o código de abertura, destravando o gerador da parede. Após o som de acionamento, um grande cilindro começou a ser projetado para fora, tal estivesse sendo desengavetado pelo mecanismo. As válvulas descomprimiram, liberando jatos de ar gélido. As milhares de simulações daquela geração ficavam enfileiradas em torno dos discos que formavam o cilindro e cada universo estava dentro de um pequeno chip de armazenamento. Todos deveriam estar semicongelados dentro do cilindro de super resfriamento, mas quando a cientista desacoplou o chip problemático, aquele estava quente.

Quando aquele universo virtual começou a consumir uma quantia descomunal de energia e processamento, enquanto extrapolava limites do armazenamento de dados, o programa de simulação, que mesmo sendo tão complexo, apresentava defeitos inesperados. Como resultado dentro desse universo, os elaborados cálculos gravitacionais não ficavam prontos a tempo, tendo imperfeições e causando anomalias, mesmo que em centenas de casas decimais oscilando para mais ou para menos, os alicerces que sustentavam as galáxias iriam se desfazer em caos entrópico se nada fosse feito. Planetas se desalinhariam e estrelas colapsariam sobre elas mesmas e, tudo isso, em um curto tempo. Essas falhas já estavam sendo estudadas pelas inteligências simuladas, a ponto de chegarem à conclusão de que viviam, elas mesmos, em uma realidade virtual que se autorregulava através de códigos de segurança. Este abuso induzido de camadas de realidades danificaria todo o Sistema de Simulação gravemente.

Aquele chip aquecido duraria pouco sem o resfriamento e fornecimento de energia. Na mão robótica que lhe fornecia um tato perfeito, a Controladora sentia o calor de vidas artificiais desesperadas por respostas. Assombrada por ver dentro daquela insignificante peça um reflexo de si mesma, fragmentou com os dedos aquela casca frágil que sustentava camadas dentro de camadas de universos ilusórios.

E, antes que as migalhas terminassem de se esfriar em sua palma, descartou-as no incinerador.

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