Capítulo 6- Parte II

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Nas aulas, apercebi-me de novo que a Goth me olhava de vez a vez.

Depois da Prof.Eyleen sair da sala, levantei-me do meu lugar e fui ter com a Goth.

Quase nem me conheci.

Porque é que eu ia falar com ela? E se ela não estava mesmo a olhar para mim?

Não. Não sou assim.

Está na hora de me mostrar realmente.

Fiquei farto de ser um pano que limpa a vida adolescente.

Se sou um pano sujo, serei um pano sujo.

Levei as mãos aos bolsos do meu casaco de inverno, e parei ao lado da mesa dela. Esperei pela sua atenção.

A Goth, que também neste dia se mostrava de negro, apercebeu-se que eu estava a seu lado, e tirou os headphones que tinha sempre na cabeça. O seu cabelo longo e negro caiu-lhe pelas costas e moveu-se como vivo assim que ela tirou os headphones, também negros.

Pegou no lápis e fez um ponto numa folha do caderno. E um ponto. E um ponto. E um ponto. Parecia meio sobressaltada com a minha aproximação.

Ok. Pensei. Como deveria fazer isto?

Claramente, dar-lhe os bons dias não é o correto a se fazer. E não me parece que me deva apresentar também. Hmmm.

Cheguei a uma resposta assim que comecei a falar.

"És como eles?" Eu disse. Não fiquei á espera de uma resposta, porque sinceramente a pergunta saiu mais estranha do que quando eu a pensei.

Quase que pareço um doido.

Fiz uma nota mental para nunca mais perguntar a alguém se era como eles. Quem quer que eles sejam.

A Goth olhou para mim. E o lápis continuava a fazer pontos no papel. "Se te achas assim tão diferente deles, é porque falhas em ver a verdade." Ela disse, e levou o olhar de novo para a folha de papel.

Intrigante, pensei. O que ela disse foi mais que estranho. Foi intrigante.

"Pensas que eu sou igual a eles?" Eu perguntei-lhe, imaginando um grande confronto entre mentes.

A Goth sorriu. "Hm. Será que penso?" E disse o que disse.

Comecei a chatear-me. Esta cabra.

Nem sei bem porquê. Odeio que me venham com retóricas.

"Precisas mesmo que seja eu a dizer-te o que pensas?" Eu disse, respondendo-lhe com uma retórica do mesmo tamanho que a dela.

Vê bem se reages a isto. E não me chateies mais.

Nunca mais.

A Goth olhou para mim com uns olhos negros e mortos. Aqueles eram os olhos de quem queria matar o que via. Senti-me ameaçado. "Seria bom se falássemos mais." Ela disse, com um sorriso mais frio que o polo norte.

"Também acho que sim." Eu respondi, com um sorriso mais frio que o polo sul.

E saí da sala.

Já devia ter aprendido a não julgar as pessoas pelo que parecem.

Mas isso não mudaria o que sou. E a verdade, se querem que vos diga, é mais elementar que isso.

Há pessoas que são demasiado fáceis de julgar. Sim. É como se te pedissem que as julgasses.

E isso eu faço. Julgo-as.

Caminhei para a casa de banho, e lá lavei a cara.

Parece quase que finalmente encontrei alguém com quem falar. Mesmo que ela me dê uma raiva do pior.

Ao sair da casa de banho, a Prof.Eyleen abordou-me.

Não é um pouco estranho abordar os alunos ao pé da casa de banho?

Eu sei bem que sim, mas a Prof.Eyleen hoje vinha com cara de quem tinha tido sorte ao amor.

Sem saber o que são exageros, ela pousou um braço no meu ombro e sorriu maquiavelicamente.

"Correu bem o clube ontem?" Ela perguntou, um ar de sarcasmo a rodeá-la.

Eu sorri. "Não podia ter corrido melhor, Senhora Solteirona."

"A sério?"

"Bem, as duas raparigas que lá estavam. Sly e Cold, acho. Elas parecem-me o normal entre as adolescentes." A professora sorriu.

"Normais, eh?"

Ah. Já percebi. A professora provavelmente sabe que elas são lésbicas.

Bem, nem todas as pessoas conseguem achar isso normal.

Isso porque não o é.

"A não ser que te estejas a referir ao facto de elas serem homossexuais." Eu disse. A Prof.Eyleen quase caiu ao chão. Parece que as funcionárias lavaram o local ainda hoje de manhã.

"Tu sabes disso?" Ela perguntou, incrédula. Eu abanei a cabeça.

"Deduzi." Comecei a andar, e a Prof.Eyleen seguiu-me. "Quem olha para elas durante mais de meio minuto percebe. Elas gostam uma da outra. Provavelmente comem-se sem ninguém dar conta."

A Prof.Eyleen parou-me com a mão e fez-me olhar para ela. "Eu acho que é só uma fase."

Sorri por dentro. Uma fase.

"Nunca pensei que fosses homofóbica, Eyleen." Eu disse, e a Eyleen abanou-me.

"Primeiro, não me chames Eyleen. És meu aluno. Segundo, eu não sou homofóbica. Sou até bem protectora das pessoas gays. Só acho que elas apenas estão a passar por uma fase."

"A minha opinião professora, é que não é uma fase. Pelo que eu vi, elas estão apaixonadas uma pela outra. Se essa paixão é verdadeira ou não, não tenho tanta certeza."

"Ai é, porquê?"

"Bem, não dá para acreditar em adolescentes." Levei uma mão ao ombro da Prof.Eyleen. "Eles são todos um bando de mentirosos." Eu disse, sorrindo.

A professora Eyleen entristeceu. "Mas mesmo assim, Lars. Eu não quero ver duas das minhas alunas a sofrer."

"Nem eu." Virei-me, mas mais uma vez a professora me rodou para a encontrar.

"Não achas que podes dizer-lhes qualquer coisa?" Ela perguntou, e levou a mão ao bolso, tirando um maço de cigarros e pondo um dos cilindros de nicotina na boca. Como claro, não o ligou.

"Dizer exactamente o quê?"

"Bem, não sei. Podias inquirir pessoalmente com cada uma delas para ver se realmente gostam uma da outra." Ela sugeriu. Eu suspirei.

Sinto-me o boneco dela de novo.

"Sabes que isso não vai mudar nada, certo?"

"É para informação pessoal."

Claro que é.

Conhecendo a Eyleen como a conheço, eu diria que ela está assim porque realmente se preocupa com os alunos. Mas isso não lhe dá a razão para querer entrar na vida pessoal deles.

É pessoal por alguma razão, não é verdade?

Por isso, não vou fazer nada.

"Não posso, professora." Tirei-lhe o cigarro da boca, e pu-lo na minha. "Meta-se onde é chamada, Senhora Fumadora." Depois, tirei-o da boca e cuspi um pouco dele que tinha trincado, mandando-o para o lixo mais próximo.

Isto sabe mesmo mal. Bem, faz sentido, visto que não é para comer.

"E deixa de fumar, Eyleen. Não te faz bem á saúde.", dei meia volta, e segui pelo corredor.

A professora tirou outro cigarro do maço e levou-o á boca novamente. Sorriu como se não quisesse, e disse numa voz mais baixa. "Já te disse para não me chamares Eyleen."

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Os Deuses Da Comédia RomânticaOnde histórias criam vida. Descubra agora