Meu trabalho

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Estava no meu quarto, jogando dardos. Era sexta-feira. Pessoas normais comemoram a chegada desse fatídico dia da semana sem um motivo aparente, mas para mim era sempre igual. Ou eu tinha que matar alguém, ou eu era pendurado por algemas no porão enquanto meu irmão Milluki e chicoteava, ou, em último caso, não fazia nada e deixava o tédio me consumir. Depois de vencer mais uma rodada e me jogar no chão, encarando o teto (porque, cá entre nós, aquilo não tinha a menor graça) ouço batidas na porta. Sem que eu a abra, ou ao menos diga a pessoa que ela pode entrar, meu irmão Illumi surge à minha frente com duas fotos em mãos.

- Tenho um trabalho para você, Kill. – fazia algum tempo que isso não acontecia, e com "isso", eu quero dizer matar pessoas. Mas mesmo assim, eu me lembrava exatamente da minha última vítima. Seria muito desprezo e desrespeito se eu não o fizesse. – Esse vai ser um pouco complicado. Eu o faria eu mesmo, mas precisa ser você.

- O que é? – digo, entediado. Na verdade, eu estava curioso para saber o que é tão importante para eu fazer, mas não queria demonstrar isso a Illumi.

- Você vai matar Ging Freecs. – ele falou, me estendendo uma foto do mesmo – Ele é um Hunter muito importante, mas ninguém sabe o paradeiro dele, nem sua família ou amigos mais íntimos.

- E como quer que eu o mate se nem tenho nenhuma pista de onde ele está?

- Este é o filho dele, Gon Freecs. – ele disse, estendendo outra foto. – Há boatos de que ele tenha informações valiosas sobre o paradeiro de Ging, e com certeza tem interesse em encontrá-lo. É aí que você entra. Como vocês dois tem a mesma idade, você vai se aproximar dele e ajudá-lo a encontrar Ging. Quando o fizerem, você vai matar os dois.

- Os dois?! – me exalto – Achei que o objetivo fosse matar o Ging, não esse tal de Gon que eu só vou usar como pivô para encontrar o alvo! – eu nunca confessei a Illumi, nem a ninguém, mas eu já não acho muito agradável matar pessoas que são o alvo principal. Agora, matar pessoas sem nenhum pretexto é pior. É indigno.

- Bom, você pode matar os dois ou ter uma testemunha de assassinato, ser preso e desonrar o seu sobrenome Zoldyck. – ele disse, me entregando as fotos. – A escolha é sua. – falou, por fim, e saiu do quarto, sem nem me dar uma chance de respondê-lo. Ele sabe como isso me irrita.

Olho as duas fotos em minhas mãos. Apesar de meu irmão odiar esse meu hábito, eu sempre analisava fotos de minhas vítimas e desvendar suas personalidades por duas razões. Primeiro que eu simplesmente não gostaria de matar uma pessoa sem conhecer nem um pouco dela. Segundo que eu tento achar aspectos negativos na pessoa que eu vou matar para me convencer de que o que eu estou fazendo não é errado. Nem sempre dá certo.

A primeira foto é de Ging. Pelo seu olhar, ele parecia alguém com o espírito aventureiro, mas, olhando mais a fundo, também via um pouco de indiferença. "Claro que sim, afinal o cara simplesmente sumiu do nada e abandonou o filho em..." esse pequeno pensamento me fez lembrar de que, com a pequena discussão que eu tive com Illumi, ele não terminou de me dar as instruções e eu não sei onde o tal garoto que eu preciso encontrar está. Nada que eu não possa perguntar a ele durante o jantar, não é mesmo?

Pego então, a segunda foto, de um garoto de 12 anos de olhos castanhos e cabelos pretos arrepiados (e eu achando que o meu estilo de cabelo era peculiar). Eu nunca matei ninguém da minha idade, e me sinto estranho com a ideia. Não é como matar grandes mafiosos, que de alguma forma mereciam tal punição por uma vida inteira de atrocidades. Gon ainda viveu muito pouco, e se já cometeu alguma maldade (o que eu duvido, pelo brilho em seu olhar) tem mais do que muito tempo para se redimir. Uma vida inteira desperdiçada, e ele não é nem o foco da missão. Além disso, eu tenho outra sensação estranha. Eu sinto que, por ser alguém da minha idade, poderia ser eu sendo assassinado brutalmente se eu tivesse uma vida normal. Detenho esse pensamento antes que eu comece a divagar sobre como seria ter uma vida normal. Isso já tinha acontecido uma ou duas vezes e não podia se repetir.

Meu primeiro amigo. Minha última vítima.Onde histórias criam vida. Descubra agora