Não tinha mais coragem de olhá-lo nos olhos. Pelo menos não naquele momento.
- Ai, nossa, foi... mágico! Não sentiram? - senhora Mulder continuava a tagarelar, como se tivesse acabado de fechar um negócio bem sucedido.
Sentia a presença de Ônix logo ao meu lado, mas não queria encará-lo. Era... no mínino, constrangedor o que acontecera ali, e o que minha cabeça pensara, antes de ser contida. Jurei à mim mesma que esqueceria e levantaria os olhos naquele segundo, para demonstrar que estava tudo bem. Por isso, cerrei novamente os punhos, desta vez para me sentir mais firme.
- Eu... - outra voz interrompeu o falatório da mulher.
- Sinto muito, senhora. Mas agora é hora da convocação das bambolas e bambolottos. A nova garota chegou, e está na hora de sua cerimônia de iniciação. - uma mulher falou, parecendo tremer perante os Frequentadores.
Levantei o olhar, sem conseguir segurar uma rápida porém grave expressão de terror. A garota havia sido encontrada, e agora sua vida também acabaria.
- Oh, claro, claro! Podem ir, já terminamos por hoje! - disse a senhora Mulder, piscando para nós.
Saí com um aceno de cabeça e um sorriso falso, que se desmanchou no instante em que cruzamos as cortinas da sala. O poço estava escuro, iluminado por velas, exatamente como na minha própria iniciação.
- Alessa - ouvi Ônix sussurrar, enquanto seguíamos a funcionária - você está bem?
Não respondi. Minha coragem de encará-lo havia se esgotado totalmente, e eu não queria nem sequer olhar para o lado.
Quando chegamos ao auditório, as poltronas já estavam quase todas ocupadas, com exceção de duas, bem atrás. Quase corri para o meu lugar, sentando-me e encarando fixamente o palco, ainda vazio.
- O que foi? - Ônix perguntou novamente, tocando com a ponta do dedo meu pulso, que apoiava o queixo.
- Nada. - resmunguei, com o olhar ainda preso à frente. Na platéia, o ambiente era escuro, com alguns poucos candelabros voltados ao palco.
- Como nada, Alessa? Você está brava comigo? - perguntou, insistente.
Me virei para ele, levantando a cabeça e procurando por seus olhos. Quando encontrei as íris coloridas e confusas, meu coração deu uma leve palpitada.
- Não. - respondi, em um sussurro - é só que... foi... errado...
Na verdade, eu estava brava comigo mesma, pelo pensamento errado logo após o beijo.
Ônix suspirou, parecendo meio aliviado, meio aborrecido.
- É só isso? Então não se preocupe. - falava com certa delicadeza, como que explicando fatos a uma criança - ninguém vai ficar sabendo, eu juro.
Soltei o ar.
- Não... é que... não é... bem isso. - desabafei, desconsolada.
- Ah. - foi tudo o que ele disse, parecendo corar levemente ao entender - você está preocupada com o "nós". Não se preocupe também. Nada vai mudar entre a gente.
Desta vez, fui eu quem suspirei aliviada, apesar de meu coração apertar-se um pouco mais.
- Que bom. - falei, sincera.
Ele assentiu com a cabeça, querendo me fazer ter mais certeza ainda. E eu confiava nele, mesmo sem saber porque. Confiava muito, na verdade.
Acreditando em suas palavras, relaxei meus músculos tensos, e me deixei ganhar um pouco mais de proximidade de seu braço, atravessando a barreira invisível. Nossos cotovelos se tocaram, ambos apoiados nos braços das poltronas.
- Boa noite, minhas crianças! - Datha falou, em um sorriso demoníaco - nesta noite, teremos a honra de receber uma nova bambola!
Esperou as palmas, que vieram sem emoção.
- Dêem as boas-vindas, à mais nova membro da Sociedade, Babi Olivetto! - uma nova salva de palmas ecoou pelo local, e uma forma escura no palco começou a se mover.
Meu queixo caiu e senti um peso avassalador dominar meu peito, assim que avistei a garota.
Ela estava completamente machucada, seu rosto bonito e moreno marcado por hematomas de diversas tonalidades. Os cabelos, em estilo afro, tinham diversos pontos manchados de sangue seco, provavelmente do corte profundo que cicatrizava em sua testa. Tiveram imprevistos, pensei. Eu tentei escapar, e o motorista quase me esmagou contra as grades do portão. Então... machucaram-na porque... fuga. Ela tentou fugir.
Soluçei, um tanto alto, e só então percebi que as lágrimas começavam a banhar meu rosto. Sequei-as apressadamente, com as costas da mão, tentando disfarçar. Senti Ônix enrijecer ao meu lado.
Babi, apesar de tão machucada, continuava de cabeça erguida. Em seus trapos de roupa (que antigamente deviam ser um jeans e uma camiseta branca), não ousava derramar uma lágrima sequer, apesar de eu conseguir ver a tristeza mais profunda de todas em sua expressão.
- Agora, Babi, jure comigo. - Datha grunhiu, feliz com a tortura da outra - "sob este cálice e este sangue, eu reafirmo minha dívida. O passado constrói o futuro, e o futuro transmite o agora. Juro, por tudo o que há em mim, acompanhar o crescimento desta Sociedade, tornar-me uma bambola digna e alguém de verdade. Afinal, somos todos nós de porcelana, e da porcelana nos tornamos: feitos para servir, tão fáceis de se quebrar.
Sem opções, Babi começou a repetir as palavras de Datha, apenas garantindo mais satisfação à mulher. Nessa hora, não consegui mais olhar. Simplesmente virei a cabeça de lado, fechando os olhos e espremendo as lágrimas que insistiam em cair.
De repente, senti uma mão apertar a minha com força. Abri os olhos somente o suficiente para ver Ônix enrijecendo, olhando com horror para a cena que se desenrolava. De pouco em pouco tempo, ele virava o rosto para mim, com um ar preocupado, conferindo minha situação. Só então entendi o motivo de ele ter passado toda a minha cerimônia de iniciação olhando para o outro lado; não era por me odiar, mas sim porque também não aguentava ver aquilo.
Enfurecida e magoada (pelo fato de eu não poder fazer nada) deixei minha cabeça cair de lado, e enterrei o rosto no terno caro de Ônix.
Não quis ouvir enquanto Babi prometia coisas por obrigação. Não quis ver quando Datha lhe estendeu o cálice do remédio. Não quis sentir meu coração sendo esmagado pela pressão; mesmo assim, quando ouvi o grito da garota, senti-o se rasgar ao meio.
O ombro de Ônix já estava encharcado, e eu ainda não conseguira parar de chorar. Sua mão coberta passeava pelos meus cabelos, em um não dito "vai ficar tudo bem. Eu estou aqui com você".
Quem diria que as lágrimas, no final, seriam minhas? Apertei mais forte os dedos enluvados do artista que me consolava, totalmente ciente de sua posição rígida de terror. Respirei fundo, sentindo o seu perfume. Apesar de tudo, as pontas de seu cabelo ainda tinham um leve aroma de tinta.
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☆Oi gente!!! Cap surpresa, porque sexta eu não tenho certeza se conseguirei postar. E, tendo um cap pronto, achei melhor adiantar as coisas.
Agora, aqui vai um desenho que me chamou a atenção:
Não sei qual personagem de anime é este, mas o achei parecido com o Ônix.
Espero que continuem acompanhando e deixando sua opinião nesta história. ^-^
Bjsss!!!
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Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 1☆ "Pareciam bonecos em uma estante. Seus rostos, tão lindos, não tinham emoção alguma. Suas peles, tão brancas e sem marcas, pareciam porcelana. Seus olhos, tão multicoloridos, pareciam pingos de cor em uma tela vazia...