[A sad letter of love - What a wicked game you play]
Los Angeles, 31 de Dezembro, 2:57P.M.
Minha doce Caitlin,
É véspera de ano-novo.
Lembro que adorava essa data. Lembro também que todos os anos comprava um vestido vermelho novo para usar nesta noite, não porque tinha alguma superstição com a cor nem nada, mas porque era sua cor favorita e lhe caía muito bem.
Confesso que adorava espiar você se arrumar antes das festas de réveillon. Nosso quarto era inundado pela inebriante fragrância do seu perfume francês de flor de cerejeira, seus cabelos longos pareciam sempre estar mais sedosos e brilhantes que o normal.
Você perambulava pelo closet, só de calcinha e sutiã, a maquiagem pronta, as madeixas emoldurando a arte, procurando a jóia perfeita, e então os saltos que se adequariam ao vestido.
Eu me detinha em fitar as pintinhas que tinha nas costas, os movimentos precisos ao riscar os olhos, o jeitinho que dava no cabelo em frente ao espelho, os lábios mais vivos e a sua dúvida entre um brinco e outro.
Era sublime assistir o momento que o vestido de cor encarnada lhe cobria o corpo e a obra prima se tornava completa.
Você vinha até mim com aquele sorrisinho de canto, abria um ou dois botões da minha camisa e dizia que gostava mais daquele jeito, chegava mais perto para sentir meu perfume, eu sentia o calor da sua pele contra o meu pescoço, e então, com poucas palavras a dizia o quão linda estava e a beijava com cuidado, afinal, não queria que ficasse irritada por borrar a maquiagem que havia feito com muito esmero.
Mas na realidade, a minha vontade era de rasgar-lhe o vestido e a beijar com todo o desejo.
Eu deveria ter feito isso enquanto pude.
Desculpe, eu nunca fiz.
Eu deveria ter dançado mais com você ao som de Wicked Game, deveria tê-la beijado mais, ter dito que a amava mais vezes, olhado nos seus olhos por mais tempo e dito o quão perfeita era pra mim.
Deveria ter passado mais horas acordado naquelas madrugadas em que você acordava com vontade de conversar sobre coisas aleatórias, deveria ter ido a Paris no verão com você, porque eu sei que era o seu sonho.
Também deveria ter assistido mais vezes o pôr do sol ao seu lado no deserto da Califórnia, sabe? Como quando éramos mais jovens, ainda na faculdade. Eu pegava o carro e lhe levava até o deserto para vermos o sol se pôr, sentávamos no capô do carro, duas latas de Pepsi e aquele nosso amor que ardia e ninguém podia nos roubar, porque estávamos em um mundo só nosso.
Porém, agora esse mundo se perdeu em ruínas.
Lembro que no colegial, já faz muito tempo agora, líamos O Pequeno Príncipe juntos. Sentávamos no gramado durante os intervalos e você me fazia ler aquele livro idiota, mesmo que eu odiasse ler.
Só que agora, tudo o que eu pediria era que aqueles intervalos voltassem, que nós tivéssemos dezessete anos outra vez, que lêssemos aquele livro e você me explicasse, com a voz doce, sobre os planetas que o personagem visitava.
Nesse momento, bem agora, tudo o que eu mais desejaria era que houvesse um planeta para que eu e você pudéssemos estar juntos. Você seria a minha rosa e eu seria o seu pequeno príncipe, eu a colocaria sob um domo para que nenhum mal lhe atingisse.
Porém, agora parece que estou vivendo aquelas últimas páginas do livro, lembra? Aquelas nas quais você chorou no meu ombro e disse que não era justo que terminasse assim. Aquelas páginas que você disse que a fizeram olhar para o céu de uma maneira triste.
Bem, assim como você chorou, eu também choro. Digo e repito que nunca será justo que nossa história tenha terminado assim. Não é justo que o céu se torne triste aos meus olhos.
Não é justo que não a possa ouvir citar aqueles versos tão bonitos do livro que você havia decorado desde os nove anos de idade e continuavam a sair da sua boca como se fosse a primeira vez.
Você me jurou no altar, era para sempre, até que a morte nos separasse. Todavia, o meu "para sempre" não incluía morte. Era para sempre de verdade. E se houvesse morte, que eu fosse o primeiro a conhecê-la, já que não suportaria viver sem você.
Caitlin, você me dizia que a vida era linda. Mas saiba de uma coisa, tenho tentado encontrar essa beleza, porém não a encontrei, porque você era a beleza da minha vida.
Hoje, me sinto traído pela vida. Me sinto como um chiclete que alguém mastiga, então, despretensiosamente, a pessoa o cospe na calçada. Lá ele fica, sem poder fugir, colado no concreto, tendo de suportar o peso das pisadas das centenas de pessoas que atravessam o perímetro, até que com o passar dos anos se decomponha e deixe de existir.
Fazem exatamente cinco anos, cinco meses, dezoito dias, quatro horas e dezenove minutos que o apitar das máquinas cessou naquele quarto de hospital. Exatamente mil oitocentos e quarenta e três dias desde quando você se foi, desde que seus olhos se fecharam, seu coração parou de bater, e naquele corpo tão lindo a vida deixou de morar.
Eu gostaria de entender a diferença entre a vida e a morte. Ambas parecem gêmeas uma da outra, irmãs separadas no nascimento, de mesma natureza cruel, com breve nuances de diferença em suas aparências e efêmeros atos teatralmente executados.
Eu gostaria de poder voltar no tempo e de alguma forma salvá-la.
Desculpe, isso eu também não pude fazer.
A casa é tão vazia sem você, Caitlin.
Eu sou tão vazio sem você.
Não ouço mais o barulho dos seus saltos para lá e para cá no final da tarde quando chegava do trabalho, não sinto seu perfume no quarto todas as manhãs, não há mais "bom dia, meu amor".
Às vezes, em meus momentos de devaneio, penso que a qualquer momento escutarei o barulho do motor do seu carro chegar na garagem, vou ouvir o chacoalhar do seu chaveiro enquanto abre a porta.
Às vezes, quase acredito que por um momento ouvi sua voz cantar na cozinha, como nas manhãs de domingo enquanto preparava panquecas com calda de framboesa, ou que abrirei a porta do quarto e você estará lá só de roupão, sentada na beira da cama, anotando algum pensamento importante que lhe surgiu a mente.
Sabe, não existem mais as brigas e reconciliações, as noites que dormíamos abraçados, os beijos de surpresa que lhe tiravam o fôlego, o cheiro doce do seu cabelo, as risadas mais engraçadas que a piada, os olhares que diziam tudo, os abraços de conforto, os jantares a luz de velas, os planos, as palavras, o calor, o frio, as sensações... Já não existe você na minha vida. Não existe mais aquele mundinho que criamos e dissemos que era indestrutível.
Esse mundinho se quebrou em mil pedaços como um cristal frágil.
Outro dia ouvi tocar Wicked Game no rádio, a nossa música, lembra?
Instantaneamente, lembrei daquele seu aniversário que apareci de surpresa em seu apartamento. O sol mal tinha nascido, você vestia um short de bolinha e um top de academia, meias com estampa de pizza e seu cabelo, por incrível que pareça, não estava bagunçado e você tinha acabado de acordar.
Lembro que abriu a porta bocejando, chorou quando a entreguei aquele buquê de tulipas vermelhas, ficou toda boba quando lhe dei aquele cordão com pingente de gatinho e pela primeira vez nos beijamos.
Então, dançamos ao som de Wicked Game pela primeira vez, ali no tapete da sua sala, e você disse que queria que aquele momento durasse para sempre.
Você não era a única, eu também queria.
Mas agora é tarde demais para qualquer coisa, aliás, ainda procuro pela razão de escrever essa carta, pois você não a lerá, e isso não faz sentido.
Então, é véspera de ano-novo. Mais um ano inteiro que não a tenho.
Não a beijarei a meia-noite, muito menos brindaremos com algum champanhe caro.
Apenas lhe prometo que estarei no meu barco em Malibu, de longe verei a queima de fogos, olharei para o céu e pensarei em você. Talvez eu chore a noite inteira ouvindo a nossa música e idealizando uma cena nossa.
Prometo lembrar de todos os bons momentos.
Caitlin, eu sinto tanta a sua falta. É o tipo de dor que me acorda todas as manhãs e não me deixa pela noite, me anestesia durante o sono, para que no outro dia me acorde outra vez.
Às vezes sonho com você, e admito que dói demais acordar e ver que tudo não passou de uma ilusão.
Caitlin, você não foi o grande amor da minha vida. Porque para se ter um grande amor, antes é preciso ter tido um pequeno e um médio, para finalmente chegar ao grande. Isso eu não tive, porque você foi e é o único amor da minha vida.
Estou envelhecendo, os cabelos brancos estão mais aparentes e já não tenho mais aquele rosto de galã que você dizia que eu tinha. Nada mais é como era antes. A não ser a nossa história, ela está eternizada em meu coração como um filme bom que não canso de reprisar.
Caitlin, somos eternos, lembra?
Não vejo a hora de encontrá-la novamente.
Eu amo você.
E se não for pedir muito, apareça nos meus sonhos esta noite, mesmo que me doa profundamente ao amanhecer. Venha de vestido vermelho, estarei esperando.
Com amor, para o meu amor, do seu amor,
Rony.
Feliz ano-novo!
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A sad letter of love
Romance"E se não for pedir muito, apareça nos meus sonhos esta noite, mesmo que me doa profundamente ao amanhecer. Venha de vestido vermelho, estarei esperando. Com amor, para o meu amor, do seu amor, Rony. Feliz ano-novo!" - ANA LUIZA CARVALHO