Capítulo 19

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x Sofia x

Estou mantendo minha mente nesses pequenos momentos. Não quero ser consumida pela culpa ou pelo medo. É difícil não me deixar levar por pensamentos sombrios, mas esse garoto ao meu lado faz as coisas serem mais fáceis.

Nunca conheci ninguém assim. Sempre tive muita dificuldade em confiar nas pessoas, mas com Dante existe uma afinidade natural. Claro, há momentos constrangedores, nem sempre concordamos em tudo, mas na maior parte do tempo conversamos durante horas realmente apreciando o simples fato de compartilhar opiniões. Ele faz com que eu me sinta tão a vontade que às vezes tagarelo por vários minutos sem perceber. O mais surpreendente disso é que ele sempre parece interessado. E da minha parte, posso afirmar que quando é a vez dele de falar sem interrupções, sempre acho fascinante.

Além de tudo isso, ele me faz rir. Isso sempre foi tão raro. A vida toda passei meio que olhando por cima do ombro, nunca abaixando a guarda, esperando algo ruim acontecer. Por isso rir nunca foi tarefa fácil. Mas com Dante estou rindo o tempo inteiro.

— Dante, se você pudesse, qual habilidade você escolheria? — faço essa pergunta tentando saciar minha curiosidade. É muito divertido conversar com alguém que também se interessa pelo nosso passado como eu. Mas são tantas informações que nunca realmente compartilhei que, em alguns momentos, é difícil colocar em palavras coerentes.

— Essa é uma pergunta difícil! Mas, acho que se eu tivesse que escolher, seria algo mais simples. Algo que fosse útil, mas que não me tornasse um alvo, se é que você me entende. — eu entendo. Dante nunca fala abertamente sobre sua habilidade. Ele é claramente muito poderoso. Um mês depois de seu esgotamento e ele já está muito melhor. Está claro que ele evita falar no assunto para não chamar atenção para si mesmo, o que acho uma atitude muito inteligente.

— E você Sofia, o que escolheria? — ele pergunta curioso, mas com um olhar de cautela que já consigo identificar. Já conversamos tanto que ele sabe que minha inabilidade é um ponto sensível.

— Eu já pensei muito nisso. Acho que ser uma nebula seria interessante para o tipo de vida que eu levo. Criar névoa e também me transformar em uma cortina de fumaça desaparecendo no ar... parece muito legal e útil! Mas se for pensar bem, eu não teria essa vida se tivesse alguma habilidade, o que torna todo o raciocínio inútil. — falo em um tom que é uma mistura de deboche e melancolia.

— Você já se perguntou o porquê de não ter nenhuma habilidade? Não precisa responder se eu estiver sendo indelicado demais. — ele fala com suavidade. Acho sua postura muito estranha, diferente do que estou acostumada. Já me fizeram essa pergunta antes, mas nunca com tranquilidade. Nunca me deixaram a opção de não responder. E isso faz com que eu me sinta livre para falar sobre o assunto.

— Você já sabe que eu gosto de fazer pesquisas. Foi um choque quando descobri que no passado as pessoas eram como eu. Tentei contar para alguns conhecidos na época, mas ninguém acreditou em mim. Agora tantos anos depois, a minha curiosidade ainda é a mesma, mas nunca tive tecnologia para descobrir. Minha teoria é que ou minha habilidade ficou adormecida por alguma doença desconhecia, ou alguém fez isso comigo, revertendo aquele processo que fez com que a humanidade evoluísse. — conto o que sempre esteve na minha mente pela primeira vez para outra pessoa. É bom ter outra mente tentando desvendar esse mistério.

— São teorias possíveis. Mas, por que alguém faria isso com você? Pelo que me contou, você nasceu assim, então seus pais teriam feito isso? Com que propósito? Só para depois te deixar? Parece improvável. — ele parece concentrado pensando nas hipóteses.

— Essas são perguntas que já fiz mais de mil vezes. Mas, pense bem. E se meus pais estivessem tentado não anular minha habilidade, mas talvez criar uma nova ou mais poderosa? Com o pouco conhecimento que a maioria das pessoas tem, sem aquele suporte tecnológico do passado que descartamos. Talvez algo tenha dado muito errado e eles não quiseram assumir a responsabilidade por isso. — sinto um costumeiro peso no coração. Não saber o porquê sempre vai ser a pior parte.

— Independente de qualquer coisa eles estavam errados em te abandonar. Você está aqui. Viva, com um futuro cheio de potencial a sua frente. Você cuidou de si mesma e chegou tão longe e deve ficar orgulhosa. Você tem mais habilidade que a maioria das pessoas. — fala de forma doce e suave, sorrindo. É estranho porque sinto um conforto. Uma sensação de paz me preenche e retribuo o sorriso com entusiasmo.

Não existe um modelo real de perfeição neste mundo. Todos possuem defeitos e estou ciente disso. Mas quando se está em menor número, não há como as pessoas ouvirem caso você grite. Todos parecem sempre tão distantes que ninguém jamais notaria caso eu estivesse pedindo por socorro, ou ao menos por uma mão amiga.

Mas, Dante não é assim. Ele está durante cada uma das nossas longas conversas deixando sua posição no grupo composto pelo maior número. E isso não é uma espécie de caridade. Se a maioria está em um nível elevado e eu em um poço profundo, tenho a impressão de que ele não é o tipo de pessoa que apenas me olharia. Apenas prestaria atenção e escutaria meus gritos como Emily ou Hugo.

Não. Dante parece ser do tipo que desceria até o fundo do poço, não para me salvar porque ele já deixou claro que não me vê como alguém vulnerável, mas para fazer coro ao que estou dizendo.

Duas vozes afinal fazem mais barulho do que uma.

E minha mente está completamente tomada disso. Estamos aproveitando a tarde amena de primavera na varanda. Posso dizer que o sol está se pondo quando ele se aproxima.

Quando eu me aproximo.

Quando sei que não existe nada nesse mundo que me faça recuar e interromper esse momento que parece tão certo. Tudo está tão absurdamente certo porque meu coração está tão disparado que nem consigo dizer se ele permanece no meu peito.    

xxx

Quero comentários, estrelinhas, porque hoje tem dois capítulos e o otp está entre nós.

xoxo

A Lenda das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora