Um conto de amor

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Meu pai sempre me contou uma história antes de dormir que era mais ou menos assim:

Existe um anjo que tem o dever de recolher todas as almas da terra. Essa é sua sina.
Esse anjo é uma mulher, linda e encantadora, e quando a mesma sorri é capaz de aquietar toda alma que estiver aflita por não fazer mais parte desse mundo, mas esse anjo é triste, pois, não vê beleza em seu trabalho.

Certa vez ela foi buscar a alma de um homem idoso que estava doente havia muitas luas, seu tempo já estava por acabar. Ao chegar na casa para recolher a alma daquele senhor ela se deparou com o filho dele. Um jovem que não devia ter mais de vinte e cinco anos.
Ao olhar em seus olhos alguma coisa mudou. Ela teve certeza que ele a tinha visto embora isso não fosse possível, já que apenas almas mortas e seres sobrenaturais poderiam vê-la.

Mas aquele rapaz a tinha enxergado e ela teve a confirmação quando o mesmo perguntou quem ela era. Sem reação ela fugiu levou a alma do senhor e deixou o rapaz para trás.

Porém, não conseguiu esquecer os seus olhos verdes. Nas noites seguintes ela voltou a casa e encontrou o rapaz. O observou dormir e voltou durante todas as outras noites para velar seu sono. Mesmo que por pouco tempo, pois, tinha trabalho a fazer, e a morte nunca para.

Em uma dessas noites o rapaz não estava em sua cama como de costume.

— Vai me dizer quem é você e o porquê me observa há um mês, ou terei de chamar a polícia? — Ele disse surgindo de trás de uma porta.

Apesar das palavras, o jovem não tinha medo dela. Quando a viu pela primeira vez ficou encantado por sua beleza e energia. E mesmo sabendo que ela levara seu pai, ele não conseguiu deixar de pensar na mulher.

— Vo...você pode me ver? — A Morte perguntou intrigada.

— E por algum acaso pareço cego? Como entra aqui? Sabia que sonho com você a noite? Todas as noites a senhorita rouba  o meu sossego, e os meus sonhos.

O rapaz sabia que ela não era humana. Como podia uma mulher normal entrar por uma janela a quase seis metros do chão e depois sumir sem deixar rastros?

— Como sabes que te observo a noite? — Respondeu a Morte com um sentimento nunca experimentado por ela antes. Um misto de fascínio e medo.

— Sinto sua presença. — Ele disse sério.

— Há tempos não encontro um humano como você. A última que encontrei me fez perder a fé na humanidade.

— Um humano como eu? — Ele perguntou confuso.

— Sim, sensitivo.

— O que isso significa?

Ela se aproximou dele. Pouco para que seus lábios pudessem se tocar, mas o suficiente para sentir a respiração do moço tocar seu rosto.

— Isso significa que você é um humano especial, com o dom de ver seres de luz e de trevas.

O homem sentiu o ímpeto de beija-la, mas conteve-se. Sabia que mesmo sendo linda ainda poderia ser fatal. Então resolveu fazer a pergunta que tanto batia em sua mente.

— Você? Que tipo de ser é? De luz? Ou de trevas?

A mulher enigmática sorriu, e nesse momento o coração do jovem quase explodiu de felicidade. Ele nem precisava da resposta, um sorriso daqueles só poderia vir de ser de luz. Mas a resposta que veio a seguir o deixou perplexo.

— Sou um ser de luz para aqueles que me aceitam de bom grado, mas também sou um ser das trevas para aqueles que me temem. Tudo depende do ponto de vista. Você não deveria me ver, apenas os mortos conseguem me ver.

— Bom moça esse é meu segredo. Minha alma já está morta há muito tempo.

Ela entendeu o que ele quis dizer. Ao longo de tantos anos no mundo dos humanos viu e ouviu coisas que fizeram sua própria essência morrer aos poucos. A solidão por eras a acompanhou, e a maldade humana, a qual teve o desgosto de conhecer a entristeceu. Por isso compreendia muito bem o desejo de desistir da própria existência.

— Nesse caso irei levá-la, pois, esse é o meu dever. Sou aquela que vocês humanos chamam de Morte. — Disse ela com a voz suave.

O que dissera a moça era verdade. Ele se sentia vazio por dentro, morto talvez. Mas algo mudou no momento em que vislumbrou seu sorriso, sentiu pela primeira vez em muito tempo, uma vontade enorme de viver e ser feliz ao lado da mulher. Então respondeu sentindo seu coração palpitar forte.

— Não poderei lhe entregar minha alma agora, mas devo entregar a você meu coração que já é seu.

A mulher estranhou por um instante a repentina mudança do rapaz, mas ficou contente por sua decisão. Mas do que isso, suas palavras a trouxeram serenidade e felicidade, sentimentos por ela esquecidos a milênios.

— Então levarei o seu e deixarei o meu.

Sem mais palavras a morte foi embora, mas retornou na noite seguinte e encontrou o rapaz a quem havia prometido seu coração. Juntos viveram um romance de outro mundo e geraram uma criança.

Contudo, essa criança nunca deveria ter nascido. Era errado um anjo e um humano juntos, e ela deveria fazer a escolha mais difícil de toda a sua existência. Levar a alma da criança, ou começar uma guerra entre o mundo sobrenatural.

A decisão da mesma foi tomada. Ela iria tirar a vida do bebê que carregava em seu ventre assim que ele nascesse.

Porém, ao ver a criança ela não teve coragem de levar sua alma. Entregou o pequeno bebê ao rapaz e foi embora.
Ela lhe disse que o estimava, mas que só o veria novamente quando fosse chegada a hora de levar a sua alma. O rapaz cuidou da criança com todo amor e carinho, e aguardou ansiosamente o dia de reencontrar sua amada...

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Eu nunca entendi direito, mas hoje faz todo sentindo considerando a situação em que me encontro.
Perdida em uma cidade qualquer da qual eu nem me lembro o nome, sozinha, com fome e frio e ahh é claro não podemos nos esquecer dos cães do inferno me perseguindo enquanto meu namorado que é literalmente um demônio, está prestes a morrer pelas mãos da minha própria mãe.

Mas isso fica para depois.
Olá, meu nome é Samira Feling, tenho dezessete anos e essa é a história de como eu morri, perdi a virgindade, me apaixonei por um demônio, finalmente conheci a minha mãe e descobri ser a criança do conto que meu pai me contava quando era pequena.

A Filha Da Morte: O Anjo Perdido (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora