O Estrategista

Capítulo 1

A vida dá saltos e pontapés dignos de medalha de ouro enquanto nós tentamos nos equilibrar no meio disso. É o que faz de nós seres evolutivos. Adaptar-se as mudanças. Alguns têm facilidade com isso. Outros nem tanto.

Vejo todos esses homens que estão sentados em cadeiras de ferro oxidado e formando um círculo para socializarem. Muitos não conseguiram chegar a adaptação necessária decorrente da vida e perderam a si mesmos. Outros conseguiram se adaptar, mas não de maneiras honrráveis. Ambos vieram parar aqui no final de tudo. Identifico qual é cada um a partir do que eles mesmos estão dispostos a contar para o grupo.

João começa a falar, claramente é um Adaptado Não-honrrável. Isso fica muito visível quando ele lamenta a perda de contato com a família depois que descobriram que ele cultivava quantidades exorbitantes de pés de maconnha em um apartamento escondido. E tambem, ele sempre é quem começa a falar. Sim, falar bastante é uma característica de Adaptados Não-honrráveis. Eles não se perdem, mas geralmente perdem quem eles têm do lado de fora do presídio. João era de uma família rica, e foi deserdado.

Outros Adaptados Não-honrráveis tambem falam, em alguns momentos até que existem risadas tímidas e tristes. Então, chega o primeiro Não Adaptado do dia. Eles são minorias por aqui, geralmente cometeram crimes horríveis, ou se meteram com pessoas horríveis e foram forçados a fazer coisas horríveis. Nunca gostam de falar. Nas raras vezes em que falam, é sempre algo vulgar e desconexo e em muitos casos ocorre uma piada sobre alguma coisa que algum Adaptado não-honrrável falou, o que sempre gera brigas e os policiais precisam intervir.

Michel começa a falar, vejo que dessa vez é algo realmente sério. Ele começa a falar sobre como é difícil controlar impulsos de raiva, o que eu até entendo vindo dele. Michel de Souza matou a esposa durante uma discussão na cozinha na casa deles. Estavam passando por um aperreio financeiro e ele estava indo cada vez mais aos bares e gastando o que não podia. Até que um dia, a mulher ameaçou ir embora para a casa da mãe e deixá-lo sozinho. Foi aí que Michel a socou no maxilar e ela desmaiou, então ela caiu com a cabeça em cima de um faqueiro que ela própria havia deixado no chão para abrir espaço na bancada e cozinhar, ele foi na mesma hora sujo de sangue se entregar. O delegado Pires disse que ele não parava de repetir: "Eu não queria" e levou 2 dias para se acalmar. Ela não sobreviveu e Michel adquiriu traumas desse momento. Dizem que chora todas as noites antes de dormir.

O tempo da reunião acaba logo depois que Michel se vê obrigado a parar quando começa a soluçar e tenta controlar o choro. Todos se levantam e seguem para as suas celas. Meu trabalho ja está quase feito. Escrevo na ficha de Michel:

"Melhora na sociabilidade". Percebo um progresso por hoje.

***

Minutos passam enquanto Pablo dirige rumo a sua casa, o início de noite ainda quente pela alta do verão paraense faz calor dentro do carro de início. Até que que o pscicólogo liga o ar condicionado e suspira de forma relaxante. Até que chega no condomínio e procura vagas no estacionamento do prédio. Segue o caminho do elevador e aperta alguns botões luminosos no meio de vários outros.

Abre a porta do apartamento e deixa os sapatos atraz ao lado da porta. A lembrança de sua rotina volta e ele tenta esquecer. Todas as luzes estão desligadas e ele acende algumas.
Abre a geladeira e retira de lá uma barrinha de cereal e remove a embalagem. Degusta e sente o gosto doce e crocante. Morango e cereal, sua combinação preferida. Sem mais nada para fazer e sem apetite. Caminha diretamente o corredor que leva ao seu quarto para deitar e cochilar um pouco.

Pablo adormece e não nota quando a porta é aberta silenciosamente e fechada. A silhueta caminha de forma lenta pelo corredor e encontra o pscicólogo de bruços na cama. Se inclina em um movimento e o beija de forma sutil no ombro. Pablo desperta e encara a pessoa no escuro que está a poucos centímetros do rosto dele.

- Oi Mateus - Fala Pablo ainda com uma voz embargada.