O silêncio tomou conta do Colégio Alcebíades Telles Borba como um tsunami o teria feito. Todas as atenções se voltaram única e exclusivamente para a patética figura de Malvina Nefasto, tentando equilibrar-se dignamente sobre um salto alto.
No entanto, sua postura não indicava qualquer sentimento de arrogância ou superioridade, o que era de se estranhar. Malvina, aparentemente, não tinha o desejo de chamar atenção. Muito pelo contrário. Apesar de os belos cabelos cacheados estarem devidamente domados por algum creme importado - talvez de Paris ou New York, como saber? - e o efeito espelhado causado pelo lustrar milimétrico dos sapatos, o que a patricinha menos queria naquele dia era holofotes.
Seus passos compassados poderiam ter sido alvo de piadinhas se isto não fosse certamente resultar na suspensão do engraçadinho. Esta era uma das vantagens de ser filha do diretor, segundo a lógica de Malvina.
Ela já estava começando a ficar incomodada com os olhares de estranheza, quando percebeu que um deles era o de Juju, que tentou disfarçar a perplexidade.
- Oi, amiga. Tudo bem? - disparou, estampando um sorriso tão falso que Malvina preferiu ignorar.
- Parece que é o que todos aqui estão se perguntando, já que não param de olhar pra mim. - respondeu a patricinha, sem rodeios. - Sim, eu tô bem. E você?
A resposta de Juju veio seguida de um silêncio constrangedor entre as duas. A hesitação da amiga levou Malvina a deduzir o que ela tanto queria lhe falar, mas mesmo assim encorajou-a a dizer.
- Pode parecer insistência, Malvina, mas talvez eu precise refrescar a sua memória. - começou Juju, cheia de insegurança - Eu gostaria de saber sobre a transferência da Jajá...
- A sua irmã vai ser remanejada, Juju. - garantiu Malvina, impedindo que a amiga justificasse o pedido. - É só uma questão de tempo. Ainda não consegui falar com o meu pai sobre isso, mas garanto que vou cumprir o que prometi.
Malvina modificou subitamente a expressão quando Juju respirou aliviada. Empinando o nariz naturalmente arrebitado, seguiu a fragrância inconfundível. A imagem da garota a fuzilar-lhe com o olhar marcado de preto fez seu sangue ferver.
- Gorda maldita! Eu te odeio, te odeio, te odeio... - resmungou Malvina, ignorando a presença de Juju e o fato de que o restante do colégio havia parado para observar o duelo silencioso entre as duas. Ela seguiu murmurando "te odeio" até perder Dani de vista. Com o olhar injetado de ódio, começou a relembrar o episódio da biblioteca.
- Por que não pedimos ajuda à bibliotecária? - perguntou Juju, finalmente, enquanto observava a busca interminável de Malvina por um exemplar de "Dom Casmurro".
- Pediria, se isto não fosse passar a imagem de CDF metida a intelectual. Só preciso do livro pra fazer aquela prova da professora Gertrudes, nada mais. Prefiro passar a manhã toda aqui dentro do que virar alvo de comentários indesejáveis.
Juju não conseguiu abafar um risinho.
- Às vezes, você é tão palhaça que até poderia gravar um CD com músicas pra criancinhas pré-alfabetizadas.
Malvina, que remexia os livros de uma prateleira próxima ao chão, ergueu-se de repente para fitar a amiga.
Juju encolheu os ombros e já ia pedir desculpas, quando Malvina a interrompeu.
- Escute! - ordenou a garota num sussurro, os olhos verde-esmeralda arregalados.
Juju se esforçou para tentar identificar os murmúrios do outro lado, chegando a achar que Malvina tinha ouvidos mais aguçados que os de uma pessoa normal.
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Sua Alteza
Teen FictionPrimeiro capítulo do meu livro, "Sua Alteza", lançado pela Editora Multifoco (http://www.editoramultifoco.com.br/). SINOPSE: A falta de limites é capaz de levar qualquer um a destinos imprevisíveis e indesejados. E é isso o que Malvina Nefasto, o t...