Eu nem preciso mais de alarme para acordar cedo, meu corpo já se acostumou com minha privação de sono. Aproveito o dia de folga para dar uma geral no ap, as roupas sujas posso lavar na lavanderia que fica bem em frente ao prédio, lavo e seco por um precinho camarada. Pego minhas camisas, calças, casacos e meias, jogo tudo num daqueles sacolões e assim iniciam-se minhas atividades domésticas. Pego o elevador até o térreo acompanhado de minha "trouxa de roupas", Seu Pedro se delicia com o velho e tradicional café preto. Eu o cumprimento e sigo meu rumo.
7 H e 15 min, o sol já está a pino. O céu parece intenso de um jeito que há muito tempo eu não via. As donas de casa já vem das compras. Quem madruga na maioria das vezes consegue as mercadorias mais frescas nas feiras de hortifruti.
- Bom dia Marrie...
- Bom dia, Fernando...
Sigo no corredor em direção às máquinas de lavar, separo as peças brancas das coloridas e configuro pra bater. Enquanto isso é uma boa pedida ir aqui na lanchonete ao lado desfrutar de um gorduroso café da manhã. Entro no estabelecimento, as mesas estão cheias de homens barbudos e com barrigas salientes se fartando de uns pastéis e cerveja, algumas mulheres com crianças comendo sanduíches e refri outras tomando só um café antes do trabalho. Como de costume Natalie, a garçonete vem simpaticamente atender meu pedido.
- Bom dia Fê, o que vai ser hoje? O de sempre?
Eu chuto que ela tem uns 22 a 23 nos, seus cabelos pretos são repicados, tem um piercing no nariz e está sempre usando delineador. É bem bonita, mas sei lá, um pouco velha demais para mim. Não que eu tenha preferência apenas pelas novinhas... mas... enfim...
- Isso ae...
Eu retribuo a simpatia, ela anota o meu pedido que já sabe de cor, torta de frango catupiry, batatas fritas e refri. É eu sei, não precisa me dizer... desse jeito vou acabar sofrendo um infarto por conta de tanta gordura obstruindo minhas veias. Reconheço que minha alimentação é péssima, nos dias de hoje qual o jovem que se alimenta bem?! Só esses mais certinhos que praticam esportes e vivem no nutricionista, na boa, não tenho tempo de me preocupar com essas coisas. O que tiver disponível eu como.
Meu olhar vagueia por todos os estabelecimentos até se encontrar com os dela. Estava na mesa a frente da minha e se deliciava de uma farta fatia de torta de pêssegos. Cabelos castanhos claros ondulados e na altura dos ombros, a pele de porcelana com algumas sardas, os olhos amendoados, a boca num tom rosa malva. Quando a encaro ela sorri. Puta merda... que gata.
10 min depois a Naty traz minhas gordurosas guloseimas, rapidamente ponho tudo pra dentro, não consigo perder esse hábito de comer rápido, sei que também não faz muito bem, haha parece que eu vivo uma vida de risco. Não tenho tanta expectativa de vida, pelo menos até uns 65 eu sei que aguento o tranco. Termino de comer, me dirijo até o balcão e junto com meu troco a Naty passa um pedacinho de papel e indica a moça que acena amistosamente para mim. Eu não confiro seu conteúdo de cara, só sorrio para ela e enfio o número de telefone no bolso da bermuda até que esteja fora do estabelecimento, não sou trouxa... no jogo da conquista precisa ser desafiante para que se torne mais atraente. Após o café revigorante, volto para a lavanderia. Minhas roupas estão limpinhas, agora só resta secar porque se levar assim vai ficar com um cheiro horrível de cachorro molhado.
Algumas senhoras estão usando a secadora, aguardo pacientemente que elas terminem, desde que eu termine de fazer tudo que tenho de fazer em casa antes das 22 horas, tô de boas. Então chega a minha vez, mesmo processo, separo as tonalidades de roupas escuras das mais claras e ponho pra secar. Mais 10 min se passam, o tédio me invade. Ando pra lá e pra cá na sessão de máquinas de lavar observando as marcas e modelos... deveria ter trazido meus fones.... vou até o balcão, Marrie está dobrando umas camisas sociais, ela é uma mulher de meia idade mas aparenta ser mais jovem.
Como estou sem fazer nada pergunto se posso ajudar. Ela consente e começo também a dobrar roupas. Parece fichinha... mas tem uma sequência a ser seguida, primeiro as mangas, ops...primeiro dobra a blusa ao meio... affs cara... que treta. Ouço um bip e corro para minha secadora, cara...que alívio, por isso que não dobro minhas roupas. Jogo minhas roupas na sacola, pouco importa se vão ficar amassadas, o importante é que estejam limpas e cheirosas. Minha mãe sempre brigava comigo por ser desleixado... engraçado, sinto falta disso. Quem sabe não esteja na hora de ir vê-la?!
Passo no balcão e pago pelo serviço prestado. Atravesso a rua e caminho rumo ao meu condomínio. O carro do lixo estava no outro quarteirão esvaziando as lixeiras, aos sábados eram os dias em que eles esvaziavam para que pudêssemos passar a semana enchendo novamente, ele passava pra recolher a do nosso prédio lá pelas 18 hrs, pelo que sei era a última parede desse bairro. Peguei o elevador rumo à bagunça que estava o meu quarto. Embalagens plásticas de quase todas as pizzarias e lanchonetes da vizinhança, copos descartáveis porque eu não tinha de vidro, aliás... nem louça eu tinha. Fui fazendo uma limpa, por cada cômodo que eu passava ia jogando todo o lixo em potencial dentro de sacolas apropriadas para ele. Ao final eu tinha 3 sacolas só de embalagens, tinha achado 30 conto e agora precisava retirar o pó antes que eu ficasse doente. Esse dia está ficando cada vez melhor.
Terminei finalmente a faxina por volta das 16 hrs da tarde, estava exausto, todo suado, mas o lugar tava um brinco, mamãe ficaria orgulhosa. Nem sei porque tô pensando tanto nela hoje, cara, espero que não tenha rolado nada de ruim. Pego as sacolas e desço de elevador, em contradição ao solzão que estava pela manhã, agora forma-se um tempão. O horizonte está cheio de nuvens negras, só não sei se é chuva ou simplesmente poluição. Nossa lixeira fica escondida por trás do prédio num beco, oficialmente ainda é nosso território pois é onde ficam as escadas externas de incêndio.
Caminho tranquilamente, o lixo já estava tão acumulado que a tampa nem fechava mais, tinham sacolas até no chão. De repente ouço um movimento suspeito, mas é bem normal isso, deve ser uns garotos que frequentam a quadra de basquete... eles sempre passam por aqui. Eu me virei, eram garotos, mas não os que eu esperava que fosse.
- Aê otário, lembra que eu disse que ia te apagar se atrapalhasse o negócio? Pois é, chegou a hora.
Eu nem tive tempo de reagir, eles vieram com tudo, me batendo, chutando.... logo não consegui sentir mais dor, ao meu redor tudo estava escurecendo, o gosto amargo de sangue na boca.
- Isso mesmo, fica aí no lixo...que é o teu lugar!!! ...
Meus olhos pesavam, eu não conseguia me mexer, o mundo estava todo na lateral quando os vi indo embora. Fechei meus olhos, da minha garganta não conseguia sair nenhum pedido de socorro e mesmo que eu gritasse, quem iria me ouvir? Bem além do beco em que eu estava agonizando a cidade continuava pulsando, carros, buzinas, sirenes, as pessoas correndo para se abrigar da chuva que começou a cair impiedosamente sobre mim. ...Nunca tive medo da morte até eu senti-la tão perto, o que doía não eram os ferimentos, era a solidão abrindo vácuos no meu peito.
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Convergindo (Em Construção)
Roman pour Adolescents"...toda essa história começou há seis semanas atrás quando minha rotina continuava pacífica e monótona... aliás, eu já estava contando os dias para minha formatura, não porque estivesse empolgada e sim por querer me ver logo livre disso. Tão inocen...