54. Sálvia Branca

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— James. James... — Robert me chamava, me chacoalhava de maneira leve, apenas pra me despertar.
Meus olhos estavam pesados demais, mas me esforçando, consegui abri-los.
— Preciso que fique acordado. Eu sei que não é você quem decide isso, mas fique comigo.
Assenti devagar. No quarto, além de Robert, também estava Roy, Chance e Kate.
— Preciso te amarrar, isso vai doer um pouco, então é só por segurança.
Queria dizer à ele que não era necessário. Qualquer que fosse a dor que ele se referia, eu não conseguia me mover; meus braços e pernas estavam adormecidos, e nada parecia me causar mais dor do que aquela que eu já estava sentindo.
Robert pegou uma corrente e começou a prender meus braços na cabeceira da cama.
— O que é isso, pai? — Roy perguntou, apontando para um frasco de vidro em cima do criado-mudo.
— Não toque! — Robert quase gritou, fazendo Roy pular de susto. — Não chegue perto disso.
— Ok, ok... — Roy pareceu um pouco constrangido, como uma criança curiosa que levou bronca.
— Acho que você vai querer gritar... Então, morda este pano... — Robert me ajudou a abrir a boca e colocou a mordaça, tentei apenas segurá-la com os dentes.
Eu não entendia toda aquela preparação, mas confiava. Aquela teoria de que quando você está muito próximo da morte, sua vontade de viver aumenta, ficou muito óbvia pra mim. Eu só queria sair daquela cama e viver; terminar o que comecei. Queria estar com Dakota, nem que fosse apenas estar. Queria consertar as coisas com Jenny. Queria sair dessa e fazer meu pai parar de se culpar. Queria até dizer à Megan que eu estava pronto para arriscar, de verdade, a teoria sobre beber sangue humano.
— Vamos lá... — Robert me olhou, sua expressão nem de longe era encorajadora.
Meus olhos pesavam, e de fato, eu não tinha muito controle disso.
— Vocês dois, — ele olhou para Chance e Roy — segurem braços e pernas, e não soltem até eu dizer... Kate, está preparada?
Kate? Olhei confuso. Ela, agora segurava o frasco que antes estava no criado-mudo. Deduzi que ela faria o quer que seria feito, mas porquê ela?
Kate também não estava com uma expressão nada entusiasmada, mas de alguma maneira, passava confiança.
Eu estava prestes a descobrir o porquê.
Robert em pé ao meu lado, assentiu para Kate, como um sinal de permissão. Ela, por sua vez, muito próxima de mim, adentrou sua mão no frasco, pegando uma boa quantidade da substância. Era uma espécie de pasta viscosa, mas consistente, de cor âmbar e com um cheiro adocicado, mas que irritava o modo como eu respirava. De início, parecia inofensiva.
Kate, com cautela, despejou a quantidade toda de sua mão sobre a minha ferida.
Então entendi toda aquela preparação. Queimou como ácido, senti minha ferida borbulhar, eu quis gritar, e até esqueci da mordaça em minha boca; não reparei como ela caiu, mas pra mim não fez diferença; meu grito estridente devia ter alarmado a todos da casa. Junto com meu corpo se contorcendo, percebi que era sim possível sentir dor maior do que aquela que sentia antes.
Era como se meu corpo estivesse pegando fogo. Notei que Kate recuou, quando comecei a me contorcer e a todos me conter. Robert, que pressionava meu tórax contra a cama, com muito cuidado para não encostar na ferida e na pasta, tentava me imobilizar.
Era incontestável. Eu sabia que isso estava acontecendo como meio de uma tentativa de cura, porém eu só conseguia pensar em machucar Kate; queria manter esse pensamento longe, mas era incontrolável. Ela, que depois de se recuperar do susto, espalhava a pasta por toda a ferida com suas mãos.
De alguma forma, aquela pasta parecia entrar por todas as cavidades. Ardia, queimava, latejava, eram todas as dores em uma só.
— Parem! Parem, por favor! — eu clamava.
— Não, Kate. Não pare! E vocês continuem segurando!— Robert me contradizia.
— Aaahhh! — Eu envergava a cabeça para trás, não aguentava mais tanta dor.
Era uma verdadeira tortura e parecia não ter fim.
Então, algum tempo que não sei dizer quanto, de gritos, grunhidos e angustia profunda, percebi Kate atrás de Robert, ela não mexia mais na ferida, mas eu ainda sentia a pasta.
Eu ofegava descontrolavelmente; pela primeira vez senti que eu estava soando frio. Era estranho, eu tremia.
— Ok, pode limpar — disse, Rob.
Kate pegou um pano e começou a retirar toda a pasta. Eu já não sabia mais o que eu estava sentindo, se era dor ou alívio, estava tudo misturado. Mas quando enfim, Kate terminou, senti minha respiração tornando-se regular. Meu corpo enrijecido, começou a descontrair. E a dor, bem devagar, a cessar. O que pra tanta, uma pequena parcela, já era grande coisa.
Eu tinha medo de me mexer, e tudo aquilo voltar. Nem sequer, abrir os olhos era simples.
— James, olha pra mim — Robert colocou a mão sobre mim, e eu estremeci com seu toque. — O que está sentindo?  
A dor parecia estar indo embora aos poucos, bem lentamente. Encarei o fato de que uma hora eu precisaria me mover, então olhei para Robert e engoli em seco.
— Ainda dói... — falei com uma voz rouca. — Mas acho que... deu certo.
A expressão de Robert foi como um presente. De apreensivo, no segundo seguinte, abriu um sorriso confiante de orelha a orelha. Foi impossível não sorrir junto.
— Obrigado, pai — eu disse.
Ele me abraçou, tenho certeza que se pudesse, desabaria em lágrimas, assim como eu.
— Ahh, parem com isso! Vão me fazer chorar!— brincou Roy, e abraçou o nosso abraço.

(...)

Dessa vez eu não desobedeceria às regras. Nem poderia.
Não havia mais nada que eu pudesse fazer, que não fosse permanecer naquela cama, enquanto as horas passavam.
Com os olhos fechados, ouvindo apenas o som da minha respiração, minha mente viajava pra bem longe.
Vez ou outra, Robert vinha ver como eu estava, mas como ele mesmo dizia: agora era questão de tempo. Logo estaria novo em folha, pronto pra me meter em outra enrascada.
Eu ria, mas ele não estava errado. Queria pedir perdão por trazê-lo pra dentro dos meus problemas, por torná-lo à parte das minhas mentiras. Mas o que poderia fazer? Quando você se torna alguém não-humano, mentir vira um hábito.
Liz me fez outro curativo, esse era dos grandes. Me assustei quando olhei para minha "antiga" ferida. Agora não era mais uma ferida, se tornara em um buraco, literalmente. Parte do meu abdomen foi consumido pela tal pasta, que agora eu sabia o nome, para quê servia e até um pouco de sua história.
Sálvia branca, ou sálvia sagrada, como alguns a chamavam. É uma planta, uma erva amplamente utilizada em xamanismo e pelos índios norte-americanos. Eles a consideravam sagrada, pois acreditava-se que as ervas tinham propriedades mágicas que equilibravam a purificação de energias negativas. Os Xamãs a utilizaram muito para purificar seus objetos sagrados do altar.
Tinham o costume de usar um galho de Sálvia Branca atrás da orelha para que assim os espíritos  pudessem os reconhecer. Tal como,  algumas tribos inclusive, colocavam pequenos pedaços de Sálvia Branca na fogueira para purificar o Fogo.
A verdade era que os índios norte-americanos tinham plena consciência da existência de vampiros. A lenda fora criada para não assustar jovens e crianças e outros locais. A erva é completamente tóxica para vampiros, que por sua vez, devastaram várias tribos, antes dos índios conhecerem as propriedades da erva. As usavam como defesa, apenas. Em suas cerimônias para visitantes, a sálvia era queimada em fogueiras, a fumaça do fogo era um meio para identificar vampiros, e então afastá-los da tribo.
A apelidaram de Sálvia sagrada, pois eram capazes de até matar os "Dêmonios em pele humana", assim como chamavam os vampiros.
Foi então que meu pai teve a brilhante ideia, de usar as sálvias brancas desidratadas que guardava em seu cofre, ele sabia que um dia precisaria delas, e como estávamos num ambiente onde ela não pudera ser cultivada, ele trazia consigo sempre, um saquinho cheio delas.
A intenção era que a erva atingisse os estilhaços da estaca de cedro, ela por si só, não causava mal apenas aos vampiros, mas também aos objetos amaldiçoados, como a estaca. A razão para os Xamãs utilizarem-na em seus objetos sagrados não era purificá-los, mas identificar os amaldiçoados.
Robert confessou que seu receio em consumar o plano, era grande. Aquilo poderia ter me matado, e de fato, eu não podia ter mais certeza disso. Mas estávamos ficando sem tempo, e era preciso fazer o que estava ao alcance. Foi o que me salvou da morte.

Eu parecia estar bem longe quando alguém bateu na porta.
Abri meus olhos, e não tive tempo em dizer pra entrar. Um sorriso dominou meu rosto, quando vi Dakota entrar.
Ela adentrou o quarto, acanhada. Mas quando me viu sorrir, se tornou radiante. Em tão pouco tempo, estávamos em perfeita sincronia.
Ela correu para os meus braços, sem dizer nada; pulou sobre mim e me beijou, tomando quase todo o meu ar.
Eu a abracei, ignorando a dor que sentia.
— Você me assustou... — Ela sussurrou. Enroscada em meu abraço, eu podia sentir seu hálito quente tocar meus lábios.
A história contada, era que eu havia sido vítima de um assalto, levando três facadas no abdômen. Por sorte sai vivo, voltando pra casa com alguns pontos, apenas.
Eu queria, um dia poder contar toda a verdade à ela, sem que isso afetasse nosso relacionamento, porém isso parecia estar cada vez mais distante da realidade.
— Assim que eu conseguir sair dessa cama... Quero te levar à um lugar.
Ela olhou desconfiada pra mim, sua cabeça inclinada pra um lado, fazendo com que uma mecha de cabelos caísse sobre seu rosto.
— Você é tão linda... — deixei o elogio escapar, enquanto olhava fixamente pra ela.
Não foi a intenção, mas ela ficou tímida.
Era difícil parar de olhá-la, perder qualquer que fosse seus movimentos, suas reações, era como se eu estivesse pecando. Eu estava indescritivelmente apaixonado por ela. Eu era louco por aquela garota.

Oiii, leitores lindos! <3
E ai, estão gostando?? Preciso saber! hahaha
Comentem aqui embaixo o que vocês acham que acontecerá logo em seguida, quero ver quem acerta! :D hahahah
Semana que vem tem mais :**

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