Margaret

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Novembro, Rio de Janeiro.

-Margaret!!!

A porta da sala do meu patrão se abriu num estrondo.

-Sim, sr. Ramos? -levantei da cadeira prontamente.

-Onde estão os relatórios que eu pedi hoje de manhã? Prontos?

-São onze horas, sr. Ramos. O senhor chegou hoje às nove e quarenta. Nem mesmo se eu não tivesse mais nada pra resolver, poderia estar pronto.

-Quero que vá à Loly's, meu aniversário de casamento está chegando, compre a langerie mais cara e bonita que tiver, vermelha, tamanho M.

-Mas e os relatórios?

-Compre no seu horário de almoço, não vai passar uma hora comendo! Ao invés de fofocar com as outras secretárias, faça isso.

E entrou de novo com um estrondo na sua sala.

-Como você aguenta isso? -a Hannah, minha amiga e colega de trabalho, que muito provavelmente estava atrás da porta, sentou na cadeira em frente a minha mesa. -secretária?

-Ele é meu patrão. -voltei a atenção para os relatórios.

-Ele sabe muito bem que você não é só uma secretária.

-O que são 0,5% de ações, Hannah? -revirei os olhos.

-Você não precisa aguentar isso.

-Hannah, eu não vou sair daqui. O Edmundo Ramos é meu padrinho, ele não tem culpa se o filho é um ogro. -olhei no relógio, faltava meia hora pra almoçar. Respirei fundo. -ok?

-Eu já sei, quando seu pai morreu o sr. Ramos te ajudou a vender tudo que você tinha, comprar ações aqui e um apartamento no condomínio Elite, um dos melhores próximos ao prédio da Marshall. Você é praticamente sozinha no mundo se não considerarmos sua tia Yolanda que mora em Salvador. -Hannah se esticou na cadeira. -ouvi isso mil vezes.

-Já deveria ter entendido então. Apesar de ser um patrão -eu pensei antes de escolher a palavra. -árduo, o Edgar Ramos me ajudou a finalizar minha faculdade de administração.

-Ajudou? Ah, por favor. Ele te deu trabalho, sem te pagar por isso, pra você usar como tese do relatório. -Hannah revirou os olhos. -estou cansada da sua inocência.

-Eu ainda estava estudando, ele teve que ter confiança em mim e no meu trabalho pra deixar aquele trabalho comigo.

-Ok, ok. Eu desisto. Vou tirar minhas férias esse mês, por que você não faz o mesmo? Você pode ir comigo pra Macaé, vou visitar minha família. Minha mãe te adora e está com saudades, vocês não se viram mais depois que ela se mudou.

-Com você, ao todo são oito secretárias tirando férias agora, Hannah. Vamos precisar de secretárias temporárias, tudo isso é dinheiro e trabalho.

- Ah, Margo! Por favor. Se você ficar aqui, vão te fazer treinar as secretárias temporárias.

-O Edmundo já me pediu pra fazer isso. Na verdade, vou ficar como secretária dele e do Edgar. E treinar as outras sete.

-Quanto tempo faz que você não tira férias? Ei! -ela levantou da cadeira e apoiou a mão na minha mesa. -lembrando bem, você só tirou férias no primeiro ano que trabalhou aqui.

-Eu precisava de dinheiro, Hannah. Por isso trabalhava nas férias, ganhava a mais. -olhei pro relógio, o tempo nunca passava na Marshall.

-É sério que quer que eu acredite nisso? Nenhuma outra pessoa aguenta o Edgar. É por isso que você não tira férias. O Edmundo sempre aumenta o valor pra você ser babá do filho dele.

-Você não tem trabalho não? -apertei as têmporas. -por favor.

Ela tirou um cartão postal de Macaé do bolso e jogou na minha mesa.

-Amo você, sua idiota.

-Eu também amo você, Hannah, mande lembranças a sua mãe.

{...}

A Loly's ficava do outro lado da cidade e eu ainda teria que ir ao banco, não daria tempo de almoçar.
O calor estava começando a crescer, decidi comprar um milkshake.

-Margaret?

Eu me virei, era o Júlio. Podia ouvir a voz da Hannah na minha cabeça "alerta ex namorado gato e babaca".

-Oi, Júlio.

-Veio almoçar?

-Não -peguei o milkshake e paguei. -na verdade, estou atrasada.

-Você ainda deixa o trabalho acima de tudo, não é?

Eu olhei para o anel no dedo dele.

-Pelo visto algum de nós dois mudou.

-Ah, isso? Não, não é anel de compromisso.

-Então você continua sendo o mesmo galinha. -me virei para a saída.

-Margo, espera. -ele me segurou pelo cotovelo. -a gente não pode tomar um café qualquer dia desses?

-Não.

Não posso negar que era maravilhosa a sensação de poder ser grossa com o Júlio. Namoramos no segundo ano que trabalhei na Marshall, ele me traiu e me culpou por trabalhar demais e não dar atenção a ele. Não posso dizer que o amei, mas foi uma paixão tóxica. Um relacionamento abusivo.

Passei no banco e depois comprei um cup noodles. Na Loly's me dei ao luxo de comprar um conjunto pra mim, rosa claro, tamanho P.

Depois de um longo dia de trabalho, cheguei em casa e tomei um banho gelado. Experimentei a langerie, mesmo o P parecia um pouco grande. Eu mal tinha tempo para comer ultimamente. E esse "ultimamente" significava anos. A Hannah estava errada, eu não era explorada na Marshall, a verdade é que eu era muito grata ao Edmundo.

Passei a ponta dos dedos nas olheiras, por causa do trabalho eu estava a maior parte do tempo maquiada, de saltos, roupas sociais finas e cabelo impecavelmente preso num coque chique. Mas de alguma forma aquilo parecia uma casca, uma fantasia. Ao chegar em casa e me desmontar, podia ver as olheiras crescentes por causa das noite de reunião que chegava tão tarde e por acordar tão cedo para o trabalho. As rugas de expressão também estavam presentes, não eram muito aparentes, mas estavam ali pra me dizer que só faltavam cinco anos para os trinta. A idade com a qual minha mãe morreu, não sei porque lembrei disso. O meu pai tinha lúpus, as vezes estava bem, as vezes tinha crises horríveis. Eu me preparei a vida toda pra perdê-lo, pra estar forte pra consolar minha mãe. Até que aquele carro levou a vida dela embora. Eu ri sozinha ao lembrar dela. Quase cinquenta anos e ainda andava de moto, usava jaquetas de couro e pintava as unhas de vermelho, as vizinhas enlouqueceram quando ela pintou os cabelos já meio grisalhos de rosa choque. Pensei no meu pai, morto há cinco anos atrás, eu estava terminando a faculdade na época. Ele trabalhou pra Marshall a vida toda, ganhava bem, minha mãe podia vender seus quadros e cantar em barzinhos enquanto ele "trabalhava de verdade", como costumava dizer. Agora eu trabalhava de verdade, o trabalho era tudo que eu tinha e eu me agarrava a isso.

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