Alex

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Lembro de estar empolgada, mais uma vez, eu tentaria agrada-la, mas nessa com um pouco mais de cuidado, capricho, e boa vontade; afinal, pras coisas darem certo e ainda mais, ficarem bem feitas, é necessário ânimo. Embora animada, só de lembrar do cheiro enjoativo e embriagante de cerveja que o estabelecimento da minha mãe possuía toda a vontade parecia evaporar. Mas ainda assim eu fui, estava disposta a fazer que de alguma forma, minha mãe sentisse algum tipo de afeto ou orgulho por mim.

Com passos cautelosos adentrei o local, de forma alguma queria chamar atenção, não que houvesse motivo para tal coisa. Sempre fui uma pessoa simples, tanto nas vestimentas como no interior. Como era de se esperar, alguns olhares foram atraídos até mim, se retirando num revirar de olhos.

Graças aos longos passos que dei, rapidamente cheguei na área de trabalho, cumprimentado meu velho colega Dylan com um curto sorriso. "Colega", ainda naquele tempo, eu não sabia como, já que minha mãe tentava à todo momento joga-lo pra cima de mim, e minha vontade de agrada-la era tão grande que realizar seu desejo se passava por minha cabeça à todo momento. Nunca senti nenhum tipo de atração por ele, sequer o achava bonito, mas ele costumava ser um garoto gentil, ao menos comigo, o que era algo realmente raro.

Lembro do clima estar frio, mas não me importei com isso ao tirar meu sobretudo, exibindo meus ombros e todas as outras áreas que aquela camiseta preta e desconfortável não cobria. Não gostava de usar roupas que deixassem minha pele exposta, mas servir num bar usando meus trajes habituais não era uma boa.

Entrevi minha primeira oportunidade de serviço escorada sobre o balcão de madeira polido, assim como tudo naquele bar um tanto requintado. Era um homem, com trajes sujos e uma expressão que esbanjava cansaço.

Respirei fundo antes de me aproximar, dando um pouco antes uma olhada em Dylan pelo canto do olho, que me deu um pequeno apoio com a cabeça à medida que enxugava os diversos copos de bebida.

Recordo de apoiar minhas mãos sobre o balcão, as mesmas estavam tremendo mas ignorei esse fato. Emiti um som com minha garganta, chamando a atenção daquele homem.

- O que deseja, senhor? - perguntei, o mais despojada possível.

Sua expressão não era uma das melhores no momento em que o vi, mas depois que me pronunciei se tornou ainda mais irritada.

- Quem está chamando de senhor, garotinha? - sua voz era rude, esbanjava desprezo e discórdia.

Não consegui conter o retiramento das minhas mãos do balcão, levando-as até junto da minha barriga. Se eu estivesse em frente de um espelho veria uma expressão assustada e confusa. Não sabia o que dizer, e antes mesmo de pensar em algo, senti um leve aperto úmido em meu braço.

Era Dylan, ele tinha uma expressão de mansidão em seu rosto.

- Deixa que eu cuido disso, atende a garota logo ali. - murmurou num tom baixo. - Tá afim de beber o que, cara?
Pude ouvi-lo dizer à medida que eu me afastava. Eu não queria que as coisas fossem assim, que a cada ignorância que me fosse dita ele tivesse que me ajudar, foi gentil da parte dele mas dane-se.

Um tanto cabisbaixa fui em direção à garota, usando minha mão para por a franja que cobria meu rosto atrás da minha orelha esquerda, podendo assim vê-la melhor.

Era incrível como todo mundo naquele lugar parecia deprimido ou irritado.

Não diferente dos outros, ela parecia estar na foça, escondendo o rosto nos ombros com o cabelo um pouco bagunçado, era curto e cada fio dele tinha um tom brilhante, parecendo, de alguma forma, deslizar-se um no outro.

Não sabia como chamar a atenção dela, certamente não de uma forma grosseira, nem formal demais. Neutra.

- Sim? - perguntei num tom qualquer, vendo-a colocar sua mão direita como um apoio para seu rosto.

Esperei que sua franja chegasse à altura de seus olhos, mas sequer escondiam as sobrancelhas. Lembro que, por algum motivo, fiz uma pequena comparação entre ela e o pequeno e simples bloco de neve que ganhei quando criança. Ele era a coisa mais linda que eu já havia visto, até conhece-la, mas naquele tempo eu ainda não sabia disso; coloquei em mente que aquela comparação era apenas por causa da branquidão de sua pele, assim como os flocos de neve que flutuavam pelo globo, e também, por causa do verde em seus olhos, que eram tão bonitos, grandes e ao mesmo tempo secos e vazios quanto a árvore no canto do globo, seus lábios eram as maçãs que caiam dela, secas mas ainda assim bonitas e num tom avermelhado.

Contudo, não neguei à mim mesma quando pensei no quão linda era ela.

- Uma dose de amnésia, e duas de desapego, por favor. - murmurou num tom baixo e deprimido, e mais uma vez, eu comparei, sendo agora seu tom de voz com a música que soava no fundo do globo, leve e doce, com um pouco de tristeza, se encaixando no belo cenário.

Abri minha boca diversas vezes, eu havia ficado sem palavras, não pela citação, e sim pela pessoa em si. Depois de segundos "flutuando", me toquei que a realidade era um pouco mais precoce.

- Meia de Absinto? - perguntei, não era exatamente o que ela queria, mas o efeito de tontura e perdição, que acabaria dando no esquecimento; até chegar no desapego, se o cliente não recordasse de nada ou ninguém, não lembraria que sequer já amou, ao todo era um tanto parecido.

Ainda lembro da expressão confusa que tomou conta do seu rosto, com as sombrancelhas enrugadas, era um tanto adorável. Mas neguei à mim mesma essa certeza.

- Van Gogh, depois de dezenove doses seguidas de Absinto, se perdeu na própria loucura.

Eu dizia, tendo a certeza que sua confusão tera sido por causa da pequena quantidade oferecida, enquanto empilhava os copos na parte interior do balcão.

- Esqueceu de si mesmo e a sensação de esquecimento e desapego temporária se tornou permanente. - completei, voltando agora à olha-la
- Meia dose seria a quantidade perfeita para ter o que procura.

Lembro de me xingar mentalmente ao perceber que tinha levado à sério demais sua metáfora. Por sorte, a garota ainda não houvera me mandado calar a boca, não só pela minhas palavras ridículas, também por minha voz irritante; então ainda estava em tempo de consertar meu erro.

- Também temos uísque, serve?

Mudei meu tom totalmente, tentando parecer o mais normal possível.

Um pequeno sorriso junto à covinhas inesperadas se formaram em seu rosto, em seguida suas mãos cobriram ele; quando retiradas uma feição de dor foi-se parar lá.

- Sim, serve.

À medida que ela falava toda a parte superior do seu corpo que a camiseta cinza de mangas compridas e um curto decote V não cobria ficava num tom vermelho.

Eu queria perguntar, estava me remoendo por dentro, queria saber, o que à incomodava, e de alguma forma ajudar. Lembro de dizer a mim mesma que não era da minha conta, pegando em seguida a identidade que ela colocara sobre o balcão.

Após conferir a idade -que era dezoito, a idade permitida para vender bebidas alcoólicas-, por instinto olhei seu nome. Alex. Um belo nome, para uma bela pessoa, pensei, negando para mim mesma essas palavras. Acabei por esbarrar nas letras escritas logo abaixo do seu nome. Sexo Masculino. Em momemto algum de toda nossa história, aquilo fez diferença para mim.

Rapidamente devolvi a identidade, antes que ela percebesse que olhei mais do que deveria.

- Duas doses. - pediu.

Antes que eu enchesse por completo os dois pequenos copos com aquele líquido agoniante, meu nome soou naquela pequena área de trabalho.

- Faith!

Olhei para Dylan, que indicou com a cabeça um assento no balcão ocupado por um senhor de idade. Ele não parecia irritado, ou deprimido, aparentava estar feliz, até.

Entreguei as duas doses para Alex, que acenou a cabeça, como um tipo de "obrigada".

Após servir o velho homem, que me tratou com desdém, sem ser ignorante, por sorte, voltei para Alex, que já houvera virado os dois copos, me entregando uma quantidade à mais de dinheiro. Uma gorjeta. Lembro que nesse processo meus dedos acabaram por tocar os dela.

Lembro também de sentir um leve choque me percorrer, e por um segundo estive no céu, mas no momento em que Alex passou pela porta daquele bar, voltei ao inferno. Sendo aquele, assim como os outros bons, um momento efêmero.

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⏰ Última atualização: Jan 12, 2017 ⏰

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