Havia um garoto, cujo o nome... bom o nome não importava, acho até que não importava nem para ele. Um garoto que vivia na beira de um imenso mar, que se estendia no horizonte, até onde os olhos alcançasse, todos os dias o garoto olhava aquela imensidão na sua frente, que despertava toda sua curiosidade mas trazia a tona, todo o seu medo, que ressuscitava o que lhe sobrara de vontade, porem a única coisa que ele conseguia fazer era assistir as ondas irem e virem.
Assistia as pessoas nadarem mar a dentro com um afinco que ele jamais tinha visto, e via elas serem trazidas junto as ondas que voltavam, acompanhadas de uma grande angústia, assistia as pessoas tentarem desesperadamente entrar naquele mar e desaparecerem, simplesmente deixarem de existir, enquanto se perguntava, "Será que morreram? O que realmente aconteceu com eles?".
Tudo isso olhando aquele mar, onde ele só conseguia molhar os pés, acho que era o mais longe que o seu medo permitia que ele fosse, sentado na beira tão sozinho que não ouvia nada, tão sozinho que não enxergava ninguém a não ser o mar, numa beira que se estendia até o infinito, lotada de pessoas com tanto medo quanto ele, numa beira cheia de pessoas que tinha tão pouca vontade quanto ele ou até menos.
As vezes o garoto presenciava pessoas que pulavam juntas no mar de mãos dadas, e pensava, "Como alguém pode ser tão burro, é óbvio que morrerão, ninguém consegue nadar em um mar revolto como esse de mãos dadas" talvez ele estivesse realmente certo, todos que tentavam, afundavam enquanto iam adiante, porem, havia uma coisa nos olhos daquelas pessoas que intrigava o garoto, a vontade que antes não tinham enquanto na beira, agora transbordava, os medos pareciam ter sumido, "Mas do que adianta?" ele pensava "Eles estão afundando e irão morrer assim como todos os outros que tentaram desafiar o mar juntos".
Depois de muito tempo sentado na beira, o garoto se cansou daquele marasmo, já estava cansado do loop de emoções que existia nele, sua rotina parecia ser programada por alguém, assim como o que ele sentia, então, um dia, o garoto resolveu caminhar pela beira onde estava, e andou por muito tempo talvez por horas, dias, meses, anos ou até segundos, e depois de tanto caminhar ele parou, quando seus pés não sentiam mais o chão o seu corpo sentia um enorme cansaço e seu coração uma grande decepção, pois ele realmente esperava encontrar algo, mas parece que nem saíra do lugar, sua vontade não era o bastante para prosseguir e nem para voltar para o lugar onde estava, então ele resolveu descansar.
Porem enquanto descansava, ele enxergou alguém na beira, em uma beira tão vazia lá estava entre centenas, milhares ou até milhões quem sabe, mas lá estava, alguém que tinha um brilho tão grande que ele mal podia enxergar, alguém que emanava um calor que ele nunca sentiu anteriormente, ele resolveu se aproximar e percebeu que esse alguém aparentava um cansaço tão grande quanto o dele ou até maior, então o garoto chegou perto e perguntou, "Me pareces triste, o que aconteceu?", depois de uma hesitante pausa a pessoa respondeu "Eu estou cansado, pois venho caminhando faz muito tempo e venho de muito longe, meus pés doem tanto quanto meu coração e minha mente está tão cansada quanto minhas pernas, e você?" o garoto logo se identificou e respondeu "Sinto o mesmo mas não parei só pra descansar, parei pois não pretendo seguir em frente e nem voltar".
O garoto no momento não notou, mas com um tempo foi percebendo que sua rotina tinha se desfeito, percebeu, que ele enxergava e ouvia algo além do mar naquela beira, e que as vezes seus diálogos se davam apenas com o toque de suas mãos e a troca de seus olhares, percebeu que aquele calor o aconchegava tanto que ele esquecia do tempo, do que havia em volta e quando se deu conta já havia agarrado a mão daquele alguém como se sua vida dependesse disso, como se seu corpo necessitasse daquela presença, daquela voz, daquele calor ou daquele toque.
Depois de algum tempo conversando, dias, horas, meses, anos? não importa, o tempo não era páreo pra aqueles dois, a curiosidade era enorme, a vontade dos dois, havia se preenchido e transbordava, assim como a vontade dos "burros", mas alem disso havia uma necessidade entre eles que os faziam querer ir mais adiante e então quando decidiram dar esse enorme passo, eles pularam juntos e de mãos dadas no mar, porem, assim como os outros que tentaram ir adiante juntos, eles afundaram naquela imensidão que antes lhe despertava medo, agora despertava um sentimento inédito, algo parecido com o que o garoto via nos olhos dos que afundaram antes dele, mas perante ele parecia maior, parecia mais concreto, parecia algo inexplicável, algo que muitos leigos ainda tentam denominar, algo que muitos ainda tentam entender.
Enquanto afundavam juntos e do olhos fechados nunca enxergaram tão bem aonde queriam chegar, no frio do fundo daquele mar nunca sentiram um calor tão bom quanto o que circulava entre os dois, e quando chegaram tão fundo que não havia mais volta, eles morreram, assim como os que se foram e nunca mais voltaram a beira, e no primeiro dia de sua morte, o garoto viveu como nunca tinha vivido em todos os anos de sua vida, e no outro dia, viveu ainda melhor do que no primeiro e o terceiro dia foi ainda melhor que o último, e tem sido assim, indo adiante, juntos, infinitamente, até o fim de seus tempos, até o fim dos começos até o começo dos finais.
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O Garoto Da Beira
Short StoryUm conto? uma prosa poética? a nomenclatura importa tanto quanto o nome do garoto importava pra ele