Já estava amanhecendo, o gélido sol de inverno começava a mostrar-se, seus poucos raios entravam pela janela e refletiam no rosto de Safire. Aos poucos ela foi despertando e, ainda sem todos os sentidos, se levantou.
O cheiro da vela que, havia se apagado não fazia muito tempo, se confundiu com o maravilhoso cheiro de um chá que estava sendo preparado em sua cozinha. Antes de sair de seu quarto, Safire, sem relutar com o seu instinto materno, deu uma olhada em seus filhos que, dormiam feitos dois pequenos anjos. Com um leve carinho na bochecha de cada um, ela se despediu e saiu do quarto, fechando a pesada porta de madeira de uma forma bem calma para que não fizesse barulho.
Após a decida de alguns metros de escada, ela chegou até a cozinha onde se sentou.
-O que a senhora está fazendo?
-Um chá. É bom para aumentar o seu leite. – A velha fez uma pausa e sorriu – e você vai precisar, não é?
-Realmente, vou e bastante! – Safire riu.
-Vá se banhar minha filha, a noite foi longa e você ainda está suja de sangue, pode deixar que eu cuido dos seus bebês.
-Muito obrigado, nem sei como vou poder te pagar!
-Imagina minha filha, eu gosto muito de ajudar as pessoas, principalmente moças tão belas e jovens como você.
Safire se levantou e investiu um forte abraço naquela parteira, que retribuiu o gesto afetuoso. Logo em seguida, ela subiu as mesmas escadas em direção ao banheiro, com uma certa dificuldade, já que havia passado a noite toda em trabalho de parto.
A cada passo que ela dava, a madeira fazia um rangido, não incomodava, na verdade até a deixava relaxada. Logo chegou ao banheiro, que por sinal ficava ao lado de seu quarto. Ela abriu a porta, entrou e se despiu das roupas ensanguentadas, ligou o seu chuveiro, que não demorou nada para esquentar a água, o vapor estava embaçando o espelho e os azulejos vermelhos que cobriam toda a parede.
Ela entrou em baixo de sua ducha, a água escorreu por todo seu corpo, de seus cabelos finos e cumpridos a seus pés. Colocou as mãos no vidro de seu box, exatamente no lugar onde Leon havia colocado antes. Fechou seus olhos, e começou se lembrar dos beijos quentes de paixão, das noites de prazer que tiveram, das declarações de amor eterno que, talvez não fossem mais tão eternas assim, já que seu marido estava no campo de batalha e, ela não sabia mais se ele estava vivo ou não.
Involuntariamente, uma lágrima escorreu por seu rosto. Respirou fundo, desligou o chuveiro e pegou a sua toalha. Com pequenos e sutis toques, ela foi se secando, começou por seu rosto e foi descendo. Ela se enrolou e olhou o espelho embaçado, e com a mão ainda meio húmida, tentou em vão limpa-lo.
Calçou seus chinelos, e saiu. Entrou novamente no quarto, e se assustou com a senhora que fizera seu parto na noite anterior olhando seus bebês, mas não se surpreendeu, já que a mulher havia dito que cuidaria deles.
Sem precisar falar nada, a velha saiu deixando-a no quarto. Safire abriu o armário, pegou algumas roupas, e se vestiu lentamente. Depois de pouco tempo ela desceu novamente para a cozinha.
A parteira estava à espera de Safire, com o chá e alguns quitutes em cima da mesa. O aroma do ambiente estava maravilhoso, o cheiro doce do chá se misturava com o cheiro que pãezinhos que, haviam acabado de sair do forno. Puxou uma cadeira e se sentou.
-Tudo isso é para mim? – Indagou Safire.
-Sim minha querida, eu fiz tudo para você. O chá é de erva-doce, bom para aumentar seu leite, e os pãezinhos são de coco, apenas para acompanhar.
-Hm... adoro pãezinhos de coco – disse já pegando um e colocando em sua boca – como a senhora adivinhou? – Enunciou com a boca cheia.
-Eu não adivinhei. Apenas fiz para acompanhar, beber apenas chá é ruim.
Safire sorriu enquanto a mulher colocava o líquido em uma xícara.
-Eu não sei o nome da senhora...
Com um olhar espantado, a parteira gaguejou:
-Or... ora, nem tivemos tempo para apresentações não é mesmo? – Ela respirou fundo e com um ar de medo falou – é... eu me chamo... Laura, e você minha filha?
Engolindo com pressa o pão e o chá, a jovem mamãe respondeu:
-Eu me chamo Safire. – Fez uma pausa.
-Bonito nome, mas agora vamos, beba tudinho seu chá.
E assim foi feito, aos poucos o chá foi se acabando. As horas se passaram e, já havia anoitecido, o vento frio estava dando o ar de sua grassa. Depois de horas conversando, Safire começou a sentir mal. Sua pele estava ficando pálida, sua boca foi ficando roxa e sua visão foi se escurecendo aos poucos.
-Eu não estou bem, estou me sentindo – fez uma pausa – mal.
-Eu sei minha filha – a velha gargalhou – fui eu quem lhe envenenei. – Fez um gesto de aspas com as mãos – você é muito idiota, confia em qualquer pessoa. Eu nunca quis lhe ajudar, apenas queria um de seus bebês.
-Mas por qual motivo? – Uma ânsia cortou sua frase – meus filhos, por que eu, como você sabia?
Nesse momento, Safire caiu no chão e começou a se contorcer de dor em seu abdômen, sua visão era praticamente nula e uma completa angustia tomou conta dela, seus filhos corriam perigo e nada podia ser feito.
-Ora, está na cara, não é? Dinheiro! – A velha se agachou e sussurrou no ouvido de Safire – alguém me falou que você iria ter gêmeos, e fiquei te observando por um mês. Apareci como parteira quando vi que você realmente teve gêmeos e eles estavam com saúde... eu resolvi pegar um para mim. Afinal, não foi a senhorita mesmo quem disse que não sabia como me pagar? Então, esse é um bom modo!
-Não, meus filhos não! – Exclamou aos prantos, porém as palavras mal saiam de sua boca, e sua visão cada vez mais turva apenas atrapalhava. – Tudo menos meus filhos...
-Cale a boca! – Laura deu um tapa no rosto de Safire – tomara que você morra, sua pequena vadia.
Safire desmaiou e a velha subiu para o quarto. Lá chegando, encostou no berço e olhou fixamente para os dois bebês. Ambos estavam acordados, porém o menino estava encarando-a, como se ele soubesse o que ela tinha feito com sua mãe. Já a menina estava quieta olhando para o brinquedinho que estava preso ao berço, um presente adiantado de seu pai.
Laura logo escolheu a menina, pegou com todo cuidado e carinho. A vestiu bem, pois a noite estava cada vez mais fria e a viagem seria longa. Dimitri ainda encarava a parteira, mas logo se desligou, pois, o zumbido de um pequeno inseto chamou sua atenção.
-Vamos minha pequena, você vai ser vendida para outra família – a mulher parou e gargalhou – e ainda vai me dar muito dinheiro!
Com toda clama, ela desceu as escadas. Passou pela Safire que ainda estava desmaiada, olhou-a com desprezo e saiu pela porta da frente. O vento cortante balançava a copa das árvores, a criança estava bem agasalhada, mas mesmo assim o frio ainda a incomodou fazendo-a chorar.
-Xiu sua praga! Não chore, ou alguém vai desconfiar.
Fechou a porta e continuou andando, com uma das mãos Laura abriu o portão, passou e depois o trancou. Seguindo pela calçada, ela foi em direção a seu carro, que estava parado em uma esquina fazia dois dias. Com um pouco de carinho, ajeitou a pequena menina no banco de trás. Afinal, ela não poderia deixar que nada de ruim acontecesse com a criança, pois não receberia sua pequena fortuna.
Apressada, entrou em seu carro, ajeitou o banco e ligou os motores. Devagar, foi saindo. Seguiu reto por uma estreita rua e após dobrar uma esquina, sumiu em meio aos carros de uma avenida movimentada.
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A Máscara de Acrílico
Romance" "Eu não sei mais o que escrever... porém, se você estiver lendo isso, talvez eu já não esteja mais aqui..." - esse era o final de um pequeno bilhete deixado sob o chão, empoeirado junto com umas fotos e uma vela que já havia se apagado. " O que vo...