Um final (in)feliz? - Conto Bela e a Fera

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Acho que vocês já entenderam que esses contos não são cheios de finais felizes, não é mesmo? Nossa escritora é um tanto quanto estranha, se me permite dizer.

E não me venha com essa cara brava, escritora! Eu, como um mero narrador, devo sempre dizer a verdade e não mais que a verdade. Agora, chega. Tenho uma nova história para contar.

Dessa vez, até a própria personagem sabe que não está segura, visto que não teve outra escolha a não ser aceitar o que lhe foi mandado. A caminho de um castelo imponente e antigo, que abriga uma fera escondida dos olhos humanos.

Uma pena que seu destino já esteja selado... Ninguém deveria ter seu fim assim, ainda mais uma jovem tão bela...

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O pôr-do-sol quase não aparecia na floresta, com as cores tampadas pelas folhas secas das árvores. A vista que se tinha era de um céu cinza no exato momento em que nada se enxerga completamente só as sombras escuras do que se está em volta. A vida se esvaía do sol que uma hora fora radiante.

O vento batia forte contra o rosto marcado pelas lágrimas da menina e embaraçava seus cabelos castanhos atrapalhando-a ver o caminho que percorria montada em seu cavalo. A luz opaca e a ventania raivosa não ajudavam a amenizar a tristeza em seu peito. Ela não tinha mais que vinte anos e já enfrentava a estrada que até os mais sábios hesitavam em tomar.

Bela encarou o chão, uma mistura do branco da neve e da negritude da terra molhada, e se perdeu nas lembranças do dia anterior. Quando viu o pai voltar da viagem, que deveria ser curta e sem muitas emoções, com uma expressão aterrorizada que fez arrepiar os pelos dos braços da jovem. Naquela noite, o pai mostrou a ela quem realmente era. Um homem capaz de trocar sua liberdade pela de sua filha. Suas necessidades acima das dela. Não era isso o completo oposto que pais deveriam fazer? Pais não deveriam lutar pelos seus filhos mesmo que ninguém mais o faça? Com certeza, não deveriam descartá-los assim que um imprevisto surgisse.

Porque era isso que Bela era naquela situação, algo que seu pai entregou como um pedido de desculpas. E como aquilo doía. Saber que fora trocada por causa de um erro cometido por ele que nem ao menos tentou oferecer outra coisa.

Uma filha. Quem entrega uma filha para um homem desconhecido? Aliás, homem não era o termo certo para definir o monstro que ficaria com a moça. As lendas que rondavam a cidade diziam que o proprietário do castelo era uma mistura das criaturas mais horrendas existentes na terra e, dado as histórias que Bela já leu, acreditar nisso não era lá tão impossível.

Enquanto se segurava para não chorar de novo, a moça ao levantar o olhar conseguiu enxergar o que poderia ser a ponta de uma torre do castelo. Ela apertou os calcanhares no cavalo em um estímulo para fazê-lo correr mais rápido. Enfrentar a criatura que morava ali dentro não era opção, mas nem por isso ela a enfrentaria de cabeça baixa.

As folhagens, que antes cobriam tudo o que estava à frente, se abriram para os dois viajantes como se dissessem boas vindas a eles ao castelo. E que castelo. Sua altura era provavelmente duas vezes maior que a igreja mais alta da vila e a sensação que se tinha era que ele se curvava para abocanhar quem quer que tivesse a ousadia de entrá-lo. O preto de seus muros combinava com a cor cinza das flores do jardim, cruelmente pisoteadas.

  Ao avistar a grade do portão, Bela se desmontou do cavalo e afagou sua cabeça despedindo-se do incrível companheiro de todas as horas.

– Você precisa ir, lembre-se do que combinamos. Eu ficarei bem. – a frase saiu quase inaudível devido à tremedeira que dominou seu corpo. Ela muito duvidava de que aquilo seria verdade.

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