O vento batia forte na janela entreaberta e produzia um som fino e tenebroso. Viktor Hornige Jr. encontrava-se deitado em sua cama, fitando o teto. A luz do abajur ao lado de sua cama iluminava seu rosto. Um livro de capa vermelha estava aberto em suas mãos, pousado em seu peito.
Um clarão do lado de fora indicara a chuva se aproximando. Ele pareceu ter acordado do transe. Fechou o livro calmamente e se levantou. Foi até a janela e a fechou. Passou pelo espelho e viu um garoto de pele morena, que aparentava ter no máximo dez anos, cabelos rebeldes, corpulento e olhos negros. Ele vestia seu pijama: uma camiseta branca e um short preto, que ia até um pouco acima de seus joelhos. Ele passou a mão nos cabelos e voltou ao caminho em direção da cama. Seu braço doía muito, havia caído algumas horas atrás, pois havia pisado em falso na escada e rolou alguns degraus a baixo. Seu pai o levou ao hospital, mas não era nada de grave, tinha apenas inchado um pouco.
Mais um clarão no lado de fora da janela... Já se aproximava da cama quando olhou para a porta do quarto. Uma porta comum, de cor branca e um imenso pôster de uma nave alienígena cortando os céus de uma metrópole. Se dirigiu até ela e a abriu. Saiu do quarto e desceu para o térreo, indo até a cozinha, os pés descalços sentindo o piso gélido da cozinha.
Pegou uma cadeira e colocou-a defronte a pia. Subiu nela e abriu a portinhola do armário acima da pia. Tirou de lá uma caixa verde ácido de cereal. Desceu então da cadeira e abriu a geladeira. Pegou a caixa de leite da mesma e a fechou. Pegou uma vasilha e colocou o cereal. Acrescentou o leite e pegou uma colher, à pia. Sentou-se na mesa de madeira quadrada e começou a comer, observando a chuva castigar as janelas, batendo forte. O braço ainda doía muito.
A porta do porão se abriu na sala e Viktor não hesitou em olhá-la. Seu pai; um homem alto, a pele levemente morena, uma barba negra e rala no rosto, óculos estupidamente redondos e grandes, subira do porão. Passava o dia todo no porão, um laboratório químico. Era um químico desempregado, que sonhava em criar uma fórmula que revolucionasse o mundo, muitas vezes falhando miseravelmente. O homem então avistou o filho, à mesa, o fitando.
— Ah, filho... Não está tarde para estar aqui embaixo, sozinho? – ele disse, a voz grossa e ligeiramente trêmula. Ele tirou a luva plástica e secou o suor em sua testa com as costas da mão.
— Estava com fome, papai...
O homem sorriu.
— Está com medo da tempestade, Viktor? – o homem se aproximou da mesa e sentou ao lado do filho.
— Os relâmpagos me assustam um pouco, pai...
— Não se preocupe, filho. – O homem passou a mão nos lisos e rebeldes cabelos negros do filho e sorriu — Eu estarei com você, OK? – ele passou calmamente as costas da mão no rosto do filho.
— OK! – o garoto sorriu, admirado. Seu pai era a única coisa que possuía, mas essa única coisa era a melhor coisa que ele poderia ter.
— Me desculpe por ter ficado o dia todo no laboratório hoje, outra vez... Eu acho que consegui fazer uma fórmula definitiva... Quer ir ver?
— Sim!
Viktor amava, além de ler, ciência, talvez por ter tido tanto contato com a mesma desde criança, já que os pais eram cientistas. Sua mãe havia morrido quando tinha três anos de idade, mas ele tinha uma breve visão da mulher lhe mostrando um de seus projetos.
— Então vamos! – o homem se levantou e segurou a minúscula mão do filho. Os dois desceram até o porão e o pai de Viktor, que também se chamava Viktor, pegou duas seringas que contam um líquido azul-claro fluorescente e levou até o filho, que estava sentado numa cadeira, defronte a uma mesa cheia de frascos químicos.
— Essa aqui é a fórmula, filho, olhe. – ele entregou uma das seringas para o garoto. — Eu ainda não as testei, mas elas servirão para curar instantaneamente cortes e machucados profundos. Pelos meus cálculos, elas estão perfeitas. Não, você não pode usar ainda, o papai precisa testá-las antes. Não adianta fazer essa cara, Júnior. Eu sei que você quer testar para ver se seu machucado no braço para de doer... Mas ainda não. Bom, vamos subir?
Eles subiram de volta ao térreo. Viktor voltou sua atenção para seu cereal e seu pai fora tomar um banho, no andar de cima. O braço formigava, e ele soltou um gemido de dor. Era errado o que queria fazer... Seu pai ainda não havia testado a fórmula, mas... E se ele testasse ela para o pai?
Ele foi até o chaveiro na parede da cozinha, pegou rapidamente a chave a abriu a porta do porão, devagar. Desceu, rapidamente, até o laboratório e viu cinco seringas colocadas cuidadosamente à um balcão de madeira já gasta.
Ele hesitou por um momento, mas... Era preciso, seu braço doía cada vez mais. Não queria desobedecer o pai, mas precisava fazer algo com aquela dor. Ele brandiu a seringa, hesitou mais uma vez, fechou os olhos e a enfiou depressa em seu antebraço.
Sentiu o mundo girar em sua volta. Mal conseguia se manter em pé. Ele tirou a agulha da seringa vazia do antebraço. Sentia o líquido que havia nela percorrer suas veias. Ele cambaleou para trás, o braço formigando ainda mais. Bateu as costas na mesa cheia de vidros e fracos químicos, ainda cambaleando e caiu para o lado, apertando o braço. Algo estava errado... As pálpebras pesaram... E ele adormeceu.

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Ocultos
Science FictionO espaço, o infinito. É um mar de dúvidas sobre ele. Será que estamos à sós? Ninguém sabe, pelo menos, fingem que não. Viktor Hornige sempre foi cético neste assunto, até que uma abdução mudou seu ponto de vista sobre isto. Eles queriam ser aceitos...