Crayons

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Sentados um de frente para o outro na mesa ao fundo: Lennick e seu milkshake de chocolate, eu e meu milkshake de algodão-doce. Suguei o canudo sentido aquela delicia açucarada dançar em minhas papilas.

– Isso parece tão artificial...

Dei de ombros e tomei mais. Todas a vezes que eu ia até a sorveteria e pedia meu favorito, alguém fazia uma observação negativa. Eu sentia pena dessas pessoas, porque depois de provar todos os 27 sabores diferentes de milkshake que lá vendiam, eu podia afirmar com propriedade que algodão-doce era o melhor de todos - ainda que eu não soubesse classificar o sabor.

Ok, era artifial. Extremamente artificial. Não tinha como comparar o gosto com nenhuna fruta ou coisa do criada pela natureza. Mas era alegre, divertido e saboroso.

O garoto tomou um pouco do seu sorvete batido e pigarreou. Eu o ignorei feliz em saborear meu próprio doce. Eu pensei em pagar o combinado e voltar logo para casa, mas o ambiente da Llates and Fun era tão acolhedor que minha alma vintage não conseguia ignorar. Cores pastéis, aventais e babados, bancos de couro e música antiga: era como uma viagem no tempo. Fora que eu precisava descobrir algo antes.

– Fazia tempo que eu não vinha aqui. Acho que desde que eu era pivete...

Fechei meus olhos e me concentrei na voz de Elvis tocando baixinho ao fundo.

– Nem me lembrava mais que existia. Costumava vir aqui com minha mãe e...

Love me, tender... Love me true... All my dreams fulfill... - cantarolei me balançando lentamente no ritmo da melodia.

– Valentina! - o garoto me chamou, irritado. Deixei o rei de lado e abri os olhos – As pessoas normais costumam conversar, sabia?

– Eu não sou normal, sabia?

– É, se eu tinha alguma dúvida sobre isso, ela foi embora no momento que você pegou o brinde infantil! - zombou arqueando a cabeça em direção à folha de desenho para colorir e quatro mini crayons que eu tinha recebido por pedir um milkshake da linha kids.

– Você só diz isso porque não ganhou nada!

Ele soltou uma risada curta e se ocupou de sua bebida. Observei sua imagem descolada e juvenil contrastando com o ambiente antiquado da lanchonete - por que mesmo eu estava ali com ele? Oh sim, stalker!

Virei a folha de papel para ter acesso ao verso branco e apontei o crayon vermelho, deixando-o a postos.

– Ok, vamos conversar! - falei fazendo-o desviar seu olhar pra mim, e wow! Aquilo é que era azul. Balancei a cabeça para desviar tal pensamento idiota e voltei a me concentrar no que tinha que descobrir – Mas eu faço as perguntas por aqui, ouviu bem? - deixei claro com um dedo apontado em sua direção.

O babaca ergueu as mãos em sinal de rendição.

– Pode mandar.

– Em primeiro lugar, como sabe meu nome?

Deu de ombros coçando por cima do curativo na sobrancelha.

– Estudamos na mesma sala desde, sei lá... O ensino fundamental?

Estreitei meu olhar - e desde quando ele reparava em mim?

– Explique-se melhor.

O garoto bufou e terminou sua bebida primeiro, fazendo aquele barulho irritante de quando o copo está vazio e a pessoa continua sugando o canudo. Tão infantil...

– Acontece que não tem como ignorar um ponto preto no fundo da sala pra sempre. Fora que até o nono ano os professores faziam chamada, lembra? Não era só chegar e assinar a lista de presença.

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora