Empalhando animais mortos

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Juntei a última combinação de jujuba, que também era a minha preferida: corpo do ursinho azul e cabeça do ursinho vermelho. Olhei o exército de híbridos de gelatina em cima da mesa da cantina e sorri. Era o melhor exército que o governo poderia ter, mas nada seria suficiente contra... Valentizzila!

Devorei impiedosamente os soldados coloridos, rindo internamente de suas fragilidades diante o monstro gigante, poderoso e vil que eu era. Tão divertido...

Ao redor haviam outras mesas e dezenas de alunos sentados, comendo seus lanches e conversando extremamente alto para o meu gosto. Eu tinha pena deles; um bando de macacos circenses treinados para seguirem com o teatro social. E, ao mesmo tempo, eu tinha pena de mim mesma, por não ter ficado na sala e agora ter que lidar com risadas irritantes e discussões fúteis sobre viagens estúpidas.

- Por favor, Valentizzila, não me coma! - a vozinha fina e baixa do capitão limão e laranja implorou.

- No mercy. - respondi grave antes de devorá-lo.

E esse foi o fim do exército de ursinhos de jujuba.

Sem nenhum aviso prévio, uma cadeira que estava do outro lado da minha mesa foi virada e o babaca sentou-se apoiando o queixo e braços no encosto.

- E aí?

Estreitei meu olhar; o que ele queria? Decidi ignorar sua presença.

O garoto pegou a embalagem vazia e procurou por algum resquício de doce.

- Você comeu tudo?

Não respondi. Apenas continuei admirando minhas unhas curtas com esmalte preto descascando.

- Nossa, o pacote inteiro?! Caramba! Não entendo como você não engorda...

- Eu sou ruim! - não consegui me conter - E gente ruim não engorda!

Sorriu. Oh droga, eu tinha caída na dele. Ele tinha vencido. Valentina idiota!

- Sabia que não ia conseguir me ignorar pra sempre.

- O que você quer? Não tá vendo que eu to ocupada?!

O garoto olhou em volta.

- Com o que? Seu lanchinho acabou e não tem mais ninguém conversando com você.

Aquele idiota... Qual era a grande dificuldade que ele tinha em ler os sinais para se afastar? Isolamento, roupas pretas, sarcasmo e cinismo; eu só faltava ter uma placa de "Cuidado! Cão bravo" pendurada no pescoço; então por que diabos aquele idiota estava ali tentando conversar?

- Diga logo o que quer e vá embora. O desmatamento está acabando com os seres que fazem fotossíntese e você está roubando meu oxigênio.

- Ok - disse rindo - É que vai ter uma festa na sexta e...

- Não, obrigada. - respondi me levantando antes que ele pudesse terminar.

- Mas eu nem...

- Vou estar ocupada empalhando animais mortos.

- Você não pode estar falando sério...

- Te dou um esquilo no natal, que tal? Agora - ergui uma mão e dividi meus dedos em três porções: o dedão sozinho, indicador e médio, anelar e dedinho - Que a força esteja com você, babaca!

Virei-me para ir embora mas fui impedida por uma mão que segurou meu braço.

- Vai ter brigadeiro. - sussurrou.

Virei-me para responder.

- E dai? Eu posso fazer brigadeiro em casa e...

Lennick ergueu as sobrancelhas sugestivamente.

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora