As minhas cerejas

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O dia estava bastante ensolarado e a praia estava bem cheia, era um feriado prolongado e todos que puderam viajaram para o litoral. Os tios de Melissa a convidaram, assim como ao seu irmão, para viajar com eles, o que era raro de acontecer: uma viagem!

A água estava ótima, a areia quente e o sol fazia borbulhar a alegria naquelas crianças. O menino vestia a sua sunga surrada de ficar guardada sem uso praiano, usava-a apenas para banhos de mangueira. O maio da garota era preto e roxo, suas cores favoritas, tinha um laço no peito. Os peitinhos despontaram havia pouco tempo, eles davam orgulho à garota que agora era quase uma mocinha. Quase por que a sua menstruação ainda não viera. Sua meninice ainda era muito florida e seus botões de ideais ainda não eram mais distantes do que havia no momento anterior à ruptura dos tempos que é tornar-se mulher... ou mocinha.

Melissa não saía da água para nada, mas não sabia nadar e por isso mantinha-se onde a água batia-lhe nas coxas. Seu tio estava sempre vigilante e próximo, era um tigre enorme e branco, estava sempre chamando, como se o som de sua voz e suas orientações ensinassem às crianças a se comportarem em um mundo novo, e era um mundo todo novo.

Eles pularam ondas, seu irmão mergulhava e ia mais ao fundo, às vezes o tio gritava mais alto para ele, mas sempre se dirigia à menina que parecia necessitar de maiores orientações, mesmo com retrucações diversas:

- Sai daí, Melissa!

- Mas o Fê esta lá!

- Não joga areia no seu irmão, Melissa!

- Mas ele está jogando em mim primeiro!

- Melissa, não senta assim!

- Porque, tio?

- Porque é feio!

Depois de quase uma hora na água o tio chamou os meninos para comerem, eram os anos noventa, todos levavam o seu frango assado e salada de maionese com suco feito de pó saborizado e sorvetes feitos de gelo e desse pó. Os meninos foram a contragosto, e de fato constataram a enorme fome quando se encaminhavam e viram a disposição dos alimentos sobre a toalha de praia. O tio veio e jogou a toalha para que o Fê pudesse se enxugar e teve uma reação estranha ao olhar para Melissa, enxugando-a como ele faria normalmente, mas usando a toalha para cobrir o seu corpo também. Eu quase percebi aquilo, pois sou e a Melissa, o que não era muito comum, ainda mais antigamente, quando ninguém lhe falava sobre suas obrigações de mocinha.

Anos depois entendi tudo de uma maneira mais coesa, na hora só pude perceber as sutilezas e agir de maneira instintiva. Eu tinha orgulho de meus peitinhos e de meus pelos pubianos, eles despontavam frisados e longos, ainda não tão frondosos quanto seriam um dia, mas já coloridos e destacados na minha pele. A questão era que eu não sabia que existia um problema com eles, eu me orgulhava de fato, era mais uma das provas de que eu seria uma mocinha!

Depois de comer, meu tio não me deixou ir à água, meu irmão foi e brincou grandemente com as outras crianças, eu levei broncas, me mantiveram sentada, mandaram deitar de bruços e tomar sol como uma boa moça.

- Olha o que as mulheres fazem, elas tomam sol.

Mas eu não era uma mulher, não gostava de ficar lá parada e de tomar sol. Para mim, tomar sol era o mesmo que ficar parada e sentir a pele queimar. Eu fiquei agoniada, comecei a montar coisas na areia, não era muito boa na construção e quando meu tio se distraiu eu fui pegar água para misturar na areia seca e fofa. Quando ele me viu com o balde vindo os seus olhos ficaram tão grandes e ofensivos, acusaram algo muito ruim de mim e então percebi os pelos saindo pelo maio, mas eles também me acusavam, eles estavam molhados e escorridos, grudando na pele como meus cabelos faziam nos braços quando eu brincava anteriormente, meus cabelos longos, meus pelos longos.

Minha tia olhava também, mas o olhar dela era quase debochado, do tipo de quem não acredita na loucura e indecência do que estava acontecendo. O meu maio ficou estreio, o sentimento de vergonha tomou conta de mim e minha pele se tornou uma chapa onde se queimava tudo o que eu já sabia de mim, o orgulho sobre meus pelos foi minado de forma que o púbis que os concebiam latejava de dor e eu peguei a minha toalha e a enrolei no corpo, sentei pelo resto da tarde à sombra, e observei os outros, meu irmão. Ele tinha muitos pelos, era um ano mais novo que eu, mas não havia constrangimento. Os outros brincando, os adultos passaram a ser a maioria das pessoas que lá estavam, os adultos me olhavam, as meninas mais velhas sussurravam, os olhos eram enormes e incrédulos, eu me sentia pequenar e rachar, eu me sentia um animal.

Não me lembro de mais nada além daqui, hoje uso uma depilação da moda, depilo minhas axilas, que não posso chamar de sovaco, corto meus cabelos e eles não se enroscam mais em meus braços nem mesmo quando transo, pois soar é nojento!

Na praia fico a observar as pessoas e sentada ou deitada segurando a barriga com os músculos, pois é feio mulher ter barriga, meus cabelos entram na praia e saem dela secos e pomposos, não uso maquiagem (não muita), e se por acaso meus filhos estão conosco o pai os leva para banhar na água, ainda são pequenos e dependentes, eu tiro fotos deles todos e preparo os alimentos na toalha, não é mais frango assado e salada de maionese, os tempos mudaram e eu levo frutas e lanches naturais com suco de frutas de verdade. Amanhã vamos viajar, fiz um sorvete de cereja natural, dos macios, as crianças precisam provar.

Cellar DoorWhere stories live. Discover now