7. Maria Lúcia

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Fazia pouco mais de três meses que estava nos Estados Unidos, as coisas começavam a fazer sentido em Yale. Certo que os primeiros dias foram terríveis com o frio abaixo de zero e as saudades que lhe corroíam por dentro. Saudades dos irmãos, da mãe, do pai, da avó, mas, principalmente, saudades dele. Saudades de Vinícios. Entretanto, agora, as temperaturas subiam com a proximidade do verão e os estudantes esticavam-se na grama, debaixo das árvores, com livros e namoradas para passar tardes inteiras estudando e trocando beijos. As cenas não eram mais tão deprimentes como no começo. O futuro já não se mostrava mais tão desesperador.

No fundo, sabia que tudo mais esperaria por ela do mesmo jeito. Ele não. Ele, cedo ou tarde, seguiria com sua vida. Estava se conformando. Não era justo pedir que fosse de outra forma. Pedir que alguém, que esperara por ela praticamente a vida inteira, esperasse ainda mais. Esperasse que ela conseguisse encontrar aquilo que buscava, quando nem ela sabia ao certo aquilo o que buscava. Mesmo assim, ainda tentou argumentar, tentou pedir, tentou encontrar alternativas. Vini vetou todas.

No final do ano passado, ela não o entendera. Choraram os dois. Ela por pedir. Ele por negar. Ela queria um relacionamento à distância. Ele se mostrava inflexível, argumentava que o que tinham vivido não merecia um final assim. Na cabeça dela, não era um fim, era apenas uma pausa. Mais uma vez, ele estava certo.

O coração dos dois ficou do tamanho de um grão de arroz na despedida no aeroporto. A partir dali, não eram mais namorados. Como entender algo assim? Num instante, aquela pessoa é uma parte de você, como se fosse o seu sangue, um braço, um pulmão e, no instante seguinte, sem trauma, sem problema, sem nada, vocês estão separados. É como não ter mais sangue, não ter mais braço, não ter mais pulmão. A sensação é a de mutilação, mas, por fora, você ainda está completo. Por dentro, entretanto, fica um vazio imenso.

Teve de redescobrir a cada ação quem era ela depois dele. Com certeza, não era mais a mesma garotinha medrosa de tempos atrás. Definitivamente, ainda não era a pessoa que queria se tornar. Não tinha mais lágrimas para chorar quando chegou a Connecticut. Determinara-se a encontrar aquilo que buscava. E o que buscava, provavelmente, estava nos livros.

Não se abalou com a dificuldade das aulas, com o tamanho da universidade, com a bagunça da sua colega de quarto, ela estudou. Estudou tanto que não foi preciso nem dois meses para receber o convite para terminar os estudos ali. Se aceitasse, não ficaria mais um ano como o combinado, seriam cinco anos. Vini estava certo. Não era justo com eles terminar assim. Yale não era uma pausa. Era um novo começo.

Como prometido, evitava escrever. Vini queria um golpe só. Não tinha a menor vontade de puxar o band-aid devagar. Ela não conseguia. A cada novidade, era nele que ela pensava. Queria partilhar tudo. Queria que ele soubesse e ficasse feliz por ela. Mandou um e-mail. Vini respondeu. Eram palavras doces, mas não traduziam sorrisos.

Ela compreendeu que precisava se afastar. Os dois precisavam de tempo. Ela sofria com a falta dele. Ele também deveria estar sofrendo. Mas sofrendo calado. Dando o espaço que ela precisava para descobrir esse mundo novo que tanto buscava. Entendeu que, para ela, ao menos, tudo era novidade. Ele ainda frequentava os mesmos lugares, via os mesmos amigos, enfrentava os olhares de pena. Deveria estar pensando em tudo que viveram, em cada sorriso que trocaram, em cada pôr de sol na praia.

Vini era mesmo um príncipe encantado. Ela pensava que ele deveria ter lutado por ela, mas agora entendia que era preciso muito mais caráter para deixá-la ir. Estava tão feliz com suas conquistas acadêmicas que conseguia ver que ele não merecia carregar pela vida o peso de ter tirado isso dela. Eles eram tão jovens ainda. Tanta coisa para viver. Queria poder reencontrá-lo um dia, que ele estivesse montado do seu cavalo branco, esperando por ela. Mas a verdade é que há muitas outras princesas além dela no mundo. Despiu seu coração de todo o egoísmo e, pela primeira vez, desejou que aqueles olhos verdes encontrassem alguém para amar e ser feliz, que aqueles olhos verdes muito claros, ficassem claros por outro alguém, ainda que isso fosse lhe doer muito. Não escreveu mais.

Não até aquele dia.

Naquele dia, enfim, aceitou o convite de Diego. Diego era da sua turma de Química. Um porto-riquenho que, assim como ela, também conseguira uma bolsa de estudos. Diego era divertido, animado e extremamente inteligente. De longe, destoava da multidão de cabelos loiros que preenchiam as cadeiras da universidade. O entrosamento entre eles foi natural desde o primeiro instante. Estudavam juntos. Faziam dupla nos trabalhos. Ajudavam-se.

Diego com seu cabelo escuro, sua pele morena e seu sorriso franco, conquistava muitas meninas com seu jeito falante de latino. Ela, porém, só via o estudante brilhante que sempre a chamava de Maria, enquanto todos os outros a chamavam de Lucy. O rapaz, entretanto, era insistente. Estava determinado a conquistar um sorriso, um sorriso dela, da garota brasileira de semblante triste e mente brilhante.

Convidava para todos os programas. Todos. Cinema, balada, biblioteca. Ela aceitava apenas os que diziam respeito a estudo. Mas ele tinha uma carta na manga. Seu aniversário era no final de março. Esse convite ela não poderia recusar. Realmente, não recusou. Ela sabia bem o que era passar um aniversário sozinha longe da família e dos amigos.

Foi um dia maravilhoso no meio das flores dos jardins. Fizeram um piquenique. Diego mostrou a ela seus lugares favoritos em Yale. Conversaram sobre sonhos. Ele queria ser médico na equipe dos Médicos Sem Fronteiras. Os olhos dela brilhavam de admiração. Diego era um cara corajoso, com certeza seria alguém admirável na vida. Estavam sentados nos degraus da biblioteca da área de saúde. Tomavam sorvete de chocolate. E foi então que Diego lhe deu um beijo. Um beijo gelado de sorvete. Um beijo totalmente diferente do beijo de Vini.

Ela precisou de um tempo para saber se aquilo fora bom ou fora péssimo. Vini. Vini. Vini. Era só nele que pensava. Seus olhos se encheram de lágrimas. Diego, sem entender nada, partiu para outro beijo, esse mais demorado. Se ela quisesse, que o dispensasse. Mas Maria não o dispensou, ela retribuiu o beijo. Agora, um beijo mais quente. Não o beijo quente de paixão de Vini. Mas um beijo que preenchia um pouco do vazio que ele deixara.

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