Lágrimas de Chuva

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Em uma era esquecida entre os relatos do tempo havia uma menina cujo a curiosidade a levou a seguir uma miragem. Esta menina afirmava ter visto uma enorme poça de água parada onde nada havia para os olhos dos outros. Ninguém ali era desperto, entretanto, ela acabara de despertar.

A fonte que ela visualizara fora perseguida, com a fé que a fazia crer estar certa a garota se aproximou da poça, em um local completamente arenoso. Todo o solo ao seu redor era seco e petrificado, dando indícios da seca que assolava à região.

Teru não ligou para os boatos e nem mesmo para quantas vezes lhe disseram que era uma louca, apenas seguiu suas convicções e quando seus pés tocaram aquela poça d'agua, sentiu imediatamente suas pernas adormecerem, o formigamento se estendeu pelo corpo até que ela desmaiasse ali, dentro do fluído raso.

Ao acordar, não havia mais nada ali. Fora encontrada pelo irmão, que a chamara de mais louca ainda pelo fato dela novamente agir de forma teimosa, reafirmando que havia visto aquele lençol úmido e brilhante sobre o solo arenoso e que havia se deitado sobre este.

Não era mentira, mas aos olhos dos demais, era uma inverdade, com toda a certeza. Ocorreu que algo mudou desde aquele ocorrido. Em menos de um dia após o ocorrido, Teru podia sentir claramente o cheiro da chuva no ar. Todos disseram que novamente ela estava fora da realidade, quando ela especulou a hipótese de cair dos céus água que regasse às plantas e ao solo e lhes proviesse bebida.

Ela aguardou e a chuva derramou-se. Contudo, a vinda desta trouxe benefícios apenas nos primeiros dias. Passara-se um mês e a chuva não mais parara de cair torrencialmente. As plantações de tabaco encharcaram e foram acometidas por fungos, a população basicamente vivia do que plantava e tudo fora perdido pela constância daquela chuva que não dava trégua alguma.
Teru sentia muita sede ao longo dos dias, bebia toda a água que podia, quase não suava e de forma alguma sentia-se como antes.

Era apenas uma criança em seus nove anos mas algo havia mudado em si. Certa noite, a represa do vilarejo arrebentou por conta da vazão alta, a água alagou mais da metade da vila, que não era composta por membros nobres, eram em sua maioria moradores humildes, cidadães que trabalhavam para o próprio sustento e não possuíam muitas posses.

Seis pessoas morreram afogadas pelas águas ou em decorrência de salvamentos. Teru perdeu seu pai, naquela noite. Ele tentou salvar uma senhora idosa, que também veio a falecer, mas a correnteza forte os levou para longe de áreas seguras. Teru nunca mais viu ao pai vivo e, nenhuma lágrima correu de seus olhos, mesmo que ela desejasse mais que tudo naquele momento chorar. Por mais que ela forçasse ou espremesse aos olhos, nada saía dali, mas o sofrimento, este não possuía remédio.

A chuva não passava, mesmo após o velório. Piorava, dias e noites de água que destruía a cidade. Foi então que ela lembrou-se de sua teimosia, ela correra atrás de um "lençol" aquoso que movia-se pela terra árida. Ela o perseguira e de fato o tocara e, em seu sono que tivera ao desmaiar, ela recordou-se de ouvir uma voz feminina e mansa que a dizia sobre como seria seu futuro.

"- Você, pequena, não mais poderá viver em apenas um local, pois levará consigo as chuvas torrenciais. Estará sempre em presença da água, mas em seu corpo não haverá liquido suficiente. Sua teimosia lhe trará malefícios, irá vagar de deserto em deserto para que leve a chuva por alguns dias à estes locais, contudo nunca haverá um único local que possa chamar de lar... Esse é o seu destino."

Teru não sabia o que isso significava, era apenas uma menina afinal, mesmo assim, ela arrumou uma muda de roupas em uma sacola de pano, apanhou um chapéu de palha e abandonou o vilarejo. Sozinha ela caminhou pelas matas e cerrados, encontrando novos locais para onde levar a chuva que caía sempre, jamais a deixando de acompanhar. Em todo o local que ela estabelecia-se, quando se sentia confortável, lá estavam as gotas de chuva, anunciando que ela não recebera nenhuma trégua e esta era sua sina: ser uma andarilha amaldiçoada com a chuva torrencial.

Todavia quando Teru já havia crescido, ela voltou ao vilarejo, o observou a distância, vendo à mãe e irmãos antes dos primeiros pingos caírem e ela afastar-se. O remorso pelas mortes daquela noite em seu passado sempre a perturbava. Foi só então, que ela decidiu procurar ajuda. Teru queria poder ter sua família de volta, não queria mais ser só ou sentir-se culpada pelas percas daquela cidade.

Quando abri a porta de minha pequena casa, ela havia subido a montanha em minha procura. O dia que estava quente por ser verão nublou-se assim que ela aproximou-se. Eu a ouvi, lhe entendi, não haveria problema algum se chovesse naquela mata, portanto, a acalmei. Tempos depois, eu a expliquei o que se passava.

A miragem que ela havia visto, na bem verdade era um espírito da água responsável pelas transformações da matéria, a escolhera pelo fato dela ser curiosa e por ser a única que podia ver-lhe. Este, penetrara em seu corpo, a possuíra e manifestava-se da forma como ela já conhecia. Teru não conseguia chorar, mas quando triste a chuva era ainda mais forte. Ela passou a perceber e notar todas as diferenças e os acontecimentos passaram a fazer muito mais sentido para si quando compreendeu o que consigo carregava.

Certo dia, ela solicitou que eu a ajudasse a exorcizar o espírito de seu corpo.
Ela sabia que ao retirá-lo de si, poderia voltar a ter uma vida normal, estabelecer-se em um só local, realizar seus sonhos. Se eu poderia ajudá-la? Claro que sim. Foi o que fiz, aprontando o ritual e exorcizando ao espírito, selamos este dentro de uma garrafa vazia de saquê.

Teru caiu em febre, adoeceu pois ao livrar-se do espírito este sugou tanto quanto pode da água de seu corpo, deixando-a desidratada. Tratei de suas mazelas, até que ficasse novamente forte para retornar para sua casa. O sorriso que ela me dera ao ir embora, fora o mais belo sorriso que eu já vi em todas estas centenas de anos. Finalmente, ela poderia viver a sua vida, sem arrependimentos ou remorsos, sem medos.

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⏰ Last updated: Jan 26, 2017 ⏰

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Contos: Mitsuro SoraWhere stories live. Discover now