Décimo primeiro aniversário
O ponteiro do relógio, que indica os minutos, parecia estar imóvel. Faltavam vinte minutos para o seu pai vir buscá-la. Sophie estava segurando o seu casaco, sua mãe insistia que ela o levasse. A pequena não parava de balançar as pernas, a espera parecia não terminar, mas como de costume, seu pai chegou bem na hora marcada. Ela correu ao seu encontro.
- Pai, você demorou! - Exclamou.
- Cadê meu abraço? - Marcos estendeu os braços e esperou.
Sophie deu um abraço em seu pai e por algum motivo, sorriu.
Sua mãe estava apenas alguns metros. Marcos a observou por um tempo, em silêncio.
Pediu que a filha fosse dar um abraço em sua mãe, e se despedir.
Sophie se despediu com um abraço. Trocaram algumas palavras, falaram baixo o bastante para que Marcos não ouvisse, como se fosse um segredo.
Estava indo em direção ao carro, fez uma pausa, sorriu para a mãe, era um sorriso tímido, depois voltou olhar para o pai.
Marcos não fazia ideia do que significava aquilo, apenas o devolveu.
Estava ansiosa para ir para a casa do seu pai, gostava do percurso que a levava até lá.
A estrada que subia a serra, era um passeio que já havia feito centenas de vezes, mas era sempre como a primeira vez. O frio que fazia, o vapor que saía de sua boca quando falava, tudo isso, trazia uma experiência que a deixava tão feliz quanto esperava ficar.
Em todo o caminho, Marcos pensava em como a separação afetava a vida de sua filha. Sabia que isso teria suas consequências.
Observava a menina, ela estava mergulhada em um silêncio profundo, sorriu quando percebeu que mãe e filha compartilhavam esse hábito. Era um traço de personalidade marcante.
Nunca chegou a perguntar à mãe ou à filha sobre o que pensava nesses momentos, cria que era algo muito íntimo.
Quando chegaram, Sophie foi para o seu quarto, o mesmo que sempre ficava quando ia para lá. Havia um relógio antigo, daqueles com um pêndulo.
Amava aquele quarto, amava sua cama, a janela que dava para o pátio externo.
Havia um espelho antigo, estava coberto por um lençol. Sophie o retirou, a imagem já não era mais tão nítida. Havia pouca luz.
O relógio mostrava que eram 09:00 da manhã, desceu para encontrar o seu pai.
Sophie não quis festa para comemorar seu aniversário, preferia passar o dia com Marcos; esperou muito por esse dia.
Conversaram durante todo o café. Estava aproveitando cada momento, sabia que no outro dia, teria que voltar para casa, não era sempre que podia ver o seu pai. Marcos entregou o presente que havia guardado para aquele momento. Era um livro que ele tinha desde criança. Na capa estava escrito (As viagens de Guliver).
A menina sempre gostou de aventura, também muito curiosa, gostava de fantasia, outras formas de vida. Combinaram que ela só lesse quando voltasse para casa. Era necessário aproveitar ao máximo o tempo juntos.
As horas foram passando. Eles assistiram a um filme, fizeram várias coisas durante o início daquela tarde; Sophie precisava descansar.
- Eu preciso me trocar!
- Tudo bem! - Marcos estava feliz, sentia-se orgulhoso da filha.
- Filha, você está cada vez mais parecida com sua mãe! - Sophie sorriu, foi outra vez aquele sorriso tímido.
Para uma criança de onze anos, um aniversário precisava de uma festa, mas para Sophie, o que importava, era com quem ela estava. Suan e Marcos haviam divorciado quando ela tinha apenas 7 anos. Muitas coisas mudaram, não desejava tais mudanças, mas o que podia fazer?
Como uma criança de 7 anos poderia intervir ao que acontecia? Sophie aprendeu desde cedo a superar desafios. Tinha tudo que uma garota de sua idade poderia querer. Era de classe alta, mas descobriu que certas coisas não podem ser compensadas com presentes, principalmente a falta que sentia do seu pai.
Foi para o seu quarto. Estava com uma sensação que não conhecia, algo diferente estava acontecendo.
O relógio indicava que se aproximava das 16:00, faltavam alguns minutos. Parou de frente para o espelho, ficou ali, olhando aquela imagem que a encarava de volta.
Mas havia algo que não esperava, a imagem lá do outro lado, parecia observa-la. Sentiu o seu corpo ser tomado por uma onda de calafrio.
Deu um passo em direção ao espelho. Houve um momento de silêncio. Tudo que se percebia era o espanto. O que estava vendo? Por que ela parecia tão diferente no espelho? O que significava aquele olhar devolvido? Essas perguntas foram unânimes entre as duas.
Quem não ficaria surpreso ao ver o seu reflexo se mover lá do outro lado do espelho, com tamanha liberdade? A curiosidade de uma criança pode ir além do próprio medo, e foi assim, que Sophie deu um passo à frente.
Do outro lado, uma voz soou monótona e lentamente:
- Quem é você? O que quer? - Sophie recuou o passo.
- Como você pode falar? Sophie moveu a mão à boca.
- Meu nome é Noara! - Exclamou com certa firmeza, tentando intimidar a estranha.
- Mas?... - Sophie tentou montar alguma pergunta.
- Eu te vi mais cedo! Você! Qual é o seu nome? - Noara tinha uma voz rouca e frágil.
- Sophie! Esse é o meu nome.
A cada palavra que era trocada, o medo dava lugar à curiosidade. Noara estava bem distante, bem longe da face do espelho. Seus olhos vasculharam todo o corpo de Sophie. Fez um aceno com a cabeça, em sinal de confiança.
Deu alguns passos lentos, parecia ter intenção de atravessar o espelho, parou à distância de um braço estendido. Tocou a face do espelho, logo em seguida, Sophie também o fez.
Por alguns minutos, permaneceram em silêncio, observando aquela que sempre se pensou ser apenas um reflexo. Alguns minutos depois, Sophie e Noara estavam sentadas, uma de frentepara a outra. Suas mãos estavam no mesmo lugar, parecia o mesmo tamanho. Já sabiam que algo sobrenatural estava acontecendo, mas não haviam perguntando o que causou tudo aquilo.
- Em que mundo você está? - Noara quebrou o silêncio.
- Estou na terra, e você?
- Mas como pode ser o mesmo mundo? Eu também sou desse
planeta. De que ano você é?
- Eu sou do ano 2006, e você?
- Também!
- Que horas?
Sophie olhou para o relógio.
- 16:07
- Sophie, aqui também.
A partir desse momento, uma amizade estava sendo descoberta.
Era também aniversário de Noara. Ambas trocaram parabéns. Várias perguntas foram feitas entre elas.
Noara parecia estar um pouco triste, apesar de tudo que estava acontecendo. Quando Sophie perguntou sobre o motivo, ela olhou para seu próprio quarto, como se procurasse algo.
- É que não ganhei presente dos meus pais. Eles não têm condições.
- Mas você agora tem a mim.
- Eu agradeço!
Sophie passou muito tempo em seu quarto. Marcos pensou que poderia estar dormindo. Havia fechado a porta.
Não queria que ninguém soubesse desse segredo. Elas estavam curiosas sobre o outro mundo. Ambas diziam estar em um mundo chamado terra, diziam viver a mesma data, mas não conheciam fatos em comum. Para Noara, o 11 de setembro jamais aconteceu, e anunciava coisas que Sophie desconhecia.
Em um momento, Noara pediu que Sophie esperasse ali, e saiu da frente do espelho. Sophie percebeu que agora podia ver o lugar que sua nova amiga estava, era um quarto simples, mas estava bem organizado, já sabia que Noara precisava fazer várias coisas em sua casa.
Contou que seus pais se amavam. Era uma família muito unida. Apesar de ser uma família humilde, o que não faltava, era companheirismo. Seus pais a tratavam como o bem mais precioso.
Sophie percebeu uma grande e triste diferença em suas vidas. De um lado, uma família rica, mas dividida, do outro, uma vida simples, mas calorosa.
Suan e Marcos sempre foram atenciosos com a filha, mas isso não supria a falta de um lar completo.
Duas crianças privadas de formas diferentes, uma aprendendo com a outra. Noara voltou, trazia em sua mão um pingente, era uma meia-lua. Sophie se espantou quando viu o objeto, sabia que sua mãe possuía uma idêntica àquela.
- Eu já vi uma igual a essa na caixa de joias da minha mãe. - Disse Sophie.
- Era da minha avó! Eu ganhei da minha quando ainda era muito pequena.
De algum jeito, Noara parecia mais infiltrada em seu próprio mundo que Sophie costumava ficar. Sua voz melancólica, contrastava com o brilho de seus olhos.
Estava prestes a dizer algo, Marcos bateu a porta, ela parou.
Sophie correu e buscou o lençol que antes cobria o espelho. Pediu ao pai que aguardasse um pouco. Antes de cobrir todo o espelho disse que voltaria o mais rápido possível. Noara assentiu com a cabeça.
- Eu volto assim que puder. Eu prometo!
As amigas se despediram e Sophie saiu do quarto.
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Dual
FantasyA vida de Sophie era comum a de qualquer criança. No décimo primeiro aniversário conhece Noara, uma menina do outro lado do espelho. Mas não é seu reflexo, tem sua própria vida. Dois mundos paralelos, o equilíbrio entre eles foi quebrado. Tudo qu...