Capítulo 7 - Por Trás de Portas e Secretárias Eletrônicas

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We were built to fall apart
And fall back together

Capítulo 7
Por Trás de Portas e Secretárias Eletrônicas

Nem se eu tentasse muito, conseguiria me lembrar de quando comecei a ser amiga de Leanne. Não poderia ao menos dizer quando exatamente a conheci, quando me aproximei e estiquei minha mão para me apresentar. Eu fui a primeira a chegar ao bairro, mas não tinha qualquer noção de vida antes de ela existir. Segundo minha mãe, a família dela se mudou para a casa vizinha da nossa quando Erika, minha irmã, tinha sete anos e, consequentemente, eu tinha três. Mas tia Mary insistia ainda de pé junto que eu já tinha seis, porque ela tinha certeza de que Lea tinha cinco e eles se mudaram em abril, um mês antes de ela fazer aniversário. Tinha passado minha vida ouvindo essa discussão, que sempre começava do mesmo jeito, na mesma discordância, depois dava voltas em torno de si mesma e acabava na mesma conclusão, que eu vinha gritando desde o começo, mas as duas se recusavam a me escutar.

Nós tínhamos quatro anos. Bom, eu tinha. Leanne estava para fazer.

Verdade! Nós tínhamos acabado de voltar das férias quando vimos um carro novo na frente da casa que sempre tinha estado vazia. E então a discussão virava uma conversa cheia de memórias nostálgicas de como nós corríamos pelo jardim e brincávamos o dia todo e não havia a preocupação e chateação de sermos adolescentes, acabando com Lea e eu revirando os olhos para os comentários delas sobre nós.

Ela simplesmente sempre esteve ali, desde que eu tinha consciência de quem era, desde que eu me lembrava. Não sabia quando nossa amizade tinha começado, se foi logo que ela se mudou, no primeiro dia, na primeira tarde, ou só anos depois. Enquanto tentasse me lembrar da minha própria vida, eu a conhecia, ela era minha melhor amiga.

E agora era terrivelmente irônico - e ainda mais cruel, - pensar que eu tampouco conseguia me lembrar de quando ela tinha deixado de ser minha amiga.

Porque era isso que tinha acontecido, não era? Ela tinha deixado de ser minha amiga. Pelo menos, foi o que pensei assim que ouvi outra vez o bipe da sua secretária eletrônica.

Devia ser só sétima vez que ligava para ela desde que tinha acordado no hospital. Teria ligado mais, mas tentar ganhar a aprovação de meus colegas de trabalho tinha se transformado em uma obsessão rápida e consumidora demais para isso. E, depois de cada ligação, tinha conseguido bloquear aquele pensamento.

Mas agora não dava mais. Já tinha recebido e-mails demais de uma linha só, a mesma de sempre. Ocupada demais. Não tinha tempo naquele momento. Nem depois para se lembrar de mim e me mandar outro ou, quem sabe, retornar a ligação.

Ela já não era minha amiga. E, mesmo assim, logo que o bipe acabou de soar, falei:

"Ei, Bridget aqui, como você deve imaginar pelo identificador de chamadas. É meu telefone do escritório."

Dei uma parada, só para respirar fundo e juntar mais coragem para ignorar minha tão dolorosa conclusão sobre nossa amizade.

"Pois é. Eu tenho um escritório. Sei que não liguei antes, mas era só porque estava ocupada. Quer dizer, não liguei desde que voltei a trabalhar. Ou voltei a tentar, ainda tenho que fazer tudo com vários livros em cima da mesa, porque não sei nada de cabeça. Sabe como é, perdi a memória," me esqueci do que quer que tenha acontecido para nós pararmos de ser amigas, queria completar, mas acabei por engolir. "Vi seu irmão ontem," continuei alegremente, como se nós tivéssemos nos encontrado no parque para um piquenique improvisado, não no hospital para eu poder chorar lágrimas sufocantes de rímel em seu jaleco e na minha camisa. "Ele me emprestou o colar dele de avião," quando falo isso, o sinto por baixo de meu vestido. "Você ainda tem o seu? Sabe o que fiz com o meu?"

Uma década em uma noite  [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora