Lá estava eu, trabalhando novamente na frutaria do senhor Philipe. O salário era horrível e o dono do local pior ainda: era gordo, tinha uma barba grisalha e além de beber muito era muchiba. Não me cedia nem uma frutinha para o lanche. E às vezes fazia eu ficar depois do expediente para lavar aquele lugar imundo.
- Senhor Philipe, vou pra casa - eu disse entregando o dinheiro na mão dele
- Espero que esteja tudo aqui - ele colocou um cigarro na boca e começou a conferir o dinheiro
- Está sim
- Espere menina - odiava aquele modo de me chamar, afinal eu tinha nome - Tome seu salário - me entregou 200 reais e sorriu no canto da boca
- Só isso? Meu salário é de 350 - disse conferindo o dinheiro
- Esse mês uma cliente reclamou que tinha muitas frutas podres e por isso vai receber menos
- Mas você mesmo disse pra mim deixar as frutas podres junto das boas - disse incompreensível
- Não interessa - ele pintou o cigarro bem no chão do local. Eu bufei e sai
Era muito difícil viver daquele jeito. Na minha casa éramos minha mãe, minha irmã e eu. Minha irmã Selena estudava, e eu não pretendia impedi - lá de ir pra escola, minha mãe dona Helena, já tinha sido muito judiada na vida, cuidou de duas crianças pequenas sozinha e sem dinheiro e apenas eu trabalhava. As vezes passávamos fome pois o que eu ganhava já era pouco e o senhor Philipe não ajudava muito. Na verdade, não ajudava em nada.
- Oi filha - disse minha mãe quando me viu abrindo a porta.
- Oi - eu coloquei o dinheiro na mesa velha da sala e continuei falando - Você acredita nisso? Só duzentos reais! Trabalhei o mês todo pra isso.
- Poderia ser pior filha
- Mãe, já é horrível. - protestei
Minha irmã chegou na sala e tomou a palavra
- Se você quiser posso arrumar emprego pra mim.
- Você estuda Sel, não vai deixar de ir pra escola pra arrumar emprego. - eu peguei o dinheiro furiosa e fui para o quarto guarda - lo
- Mas eu posso fazer os dois. Afinal estudo de manhã. - ela disse vindo atrás de mim
Olhei para ela sem saber expressar algo e então suspirei e disse
- Selena não piore as coisas, não quero que você seja como eu.
- Mas você é uma ótima pessoa, não me importaria de ser como você - eu sorri. Selena apesar de ser dois anos mais nova que eu, era a mais esperta.
- Obrigada Sel, mas não vai rolar - me virei e coloquei o dinheiro na gaveta da cômoda que ficava do lado da cama.
Comemos macarrão no jantar, estava uma delícia! Mas só deu um prato para cada uma. Eu queria muito repetir, mas parecia que ficaria só na vontade mesmo.
- Luna, vou dormir aonde hoje? - Selena disse lavando os pratos
- Você é a mamãe podem dormir na cama hoje, e eu durmo no colchão.
Era apenas um quarto na casa. No canto esquerdo havia uma cama de casal velha com molduras que apesar de estarem acabadas ainda eram lindas. Do lado da cama tinha uma cômoda onde nós três guardavamos as poucas peças de roupas que tínhamos. E em baixo da cama, havia um colchão velho e acabado que era o que eu e Luna vivíamos revezando, ora eu dormia nele, ora ela. Ela assim todas as noites.
Quando deitamos, logo cai no sono.
...
- Luna - Ouvi uma voz me chamar - Luna
Abri os olhos e vi uma mulher ruiva escorada na porta do quarto.
- Quem é você? - me levantei de pressa
- Venha - a desconhecida saiu pelo corredor da casa
- Ei! Como entrou aqui? - perguntei enquanto a seguia pela sala
- Chegou a hora Luna - a mulher saiu pela porta feito um fantasma. Eu abri a porta e corri atrás dela. Mas ela estava parada no meio da rua olhando para cima. Olhei para onde seus olhos apontavam, ela olhava a lua. Como minha mãe fazia quando era pequena
Antes de me questionar novamente como ela estava ali, olhei para ela, era uma moça que tinha mais ou menos minha idade: dezoito anos. Seu cabelo era tão ruivo que parecia pegar fogo, e a escuridão pairava sobre sua pele esbranquiçada. Era tão bonita, parecia um anjo.
Mas então me caiu a ficha de que ela havia atravessado a porta como uma assombração
- O que você quer de mim? Como sabe meu nome? E, como fez aquilo na porta? - disse atordoada
- Luna, eu preciso de você. Meu mundo está por um fio. - ela pegou em minhas mãos que tremiam e olhou para meu colar que minha mãe me dera quando meu pai foi embora, que tinha uma lua minguante. - Você tem o colar, é você a escolhida. Seu pai trouxe você até nós
- Do que você está falando? - puxei minha mão e tampei o colar
- Tudo depende de você, querida. - ela sorriu gentilmente
Olhei para meu redor, minha casa estava com a porta aberta e tudo era breu. Pensei em como estaria Selena e minha mãe se ainda estavam dormindo. E olhei para a mulher de novo
- Não se preocupe com elas - a ruiva parecia ter lido o que eu pensava - Venha comigo, preciso mostrar uma coisa muito importante - ela estendeu a mão me convidando pra acompanha - lá
- Não sei quem é você - comecei a andar para trás - Saia daqui!
- Não! Não quero assusta - lá. Por favor me ouça. - ela pediu
- Saia! Me deixe em paz! - comecei a correr em direção a porta da minha casa. Olhei pra trás e a moça não me seguia, ficou parada no mesmo lugar.
- Luna! Luna! - ela começava a sumir - Luna! Luna!
Acordei suando frio, e minha mãe estava do meu lado
- Luna! - ela disse - O que foi?
- Foi só um sonho - suspirei aliviada
- Calma querida! - ela colocou a mão no meu cabelo negro e o alisou para me acalmar - Venha tomar café. Fiz geléia com as uvas que você trouxe da frutaria tá uma delícia. - ela se levantou e saiu
Olhei para o quarto, e me perguntei se aquilo realmente foi sonho " parecia tão real" Pensei.
Minha irmã já tinha ido para a escola e eu tinha que ir para o trabalho. Me arrumei, pentiei o cabelo e coloquei a mão no colar pra ver se ainda estava lá. E estava. Era a única coisa que meu pai deixou pra mim, e minha mãe me entregou a bijuteria quando tinha sete anos. Desde então, nunca tirei.
- Obrigada mãe - coloquei geléia num pão que havia comprado uns dois dias antes e comi
- Fico feliz que gostou - ela sorriu - vá, antes que aquele homem a demita.
Olhei no relógio, eram oito da manhã. Precisava correr para não chegar depois das nove.
- Tchau mãe - bebi um pouco do suco e corri
VOCÊ ESTÁ LENDO
Buraco Negro
RandomQuando era criança, minha mãe dizia que meu nome era Luna porque assim como a lua eu tinha uma missão muito importante: trazer beleza e luz para a escuridão