Uma interpretação psicanalítica do caso de Hannibal Lecter

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Hannibal Rising, um filme lançado em 2007 e produzido pelo diretor Peter Webber, compõe a quadrilogia The Silence of the Lambs (1991), Hannibal (2001) e Red Dragon (2002). Originalmente escrita por Thomas Harris, a história revela a construção da fama de um personagem que marcaria o cinema dos assassinatos em série.

Em meio à segunda guerra mundial, a família Lecter, devido a uma ameaça eminente de ataque inimigo, refugia-se em seu chalé. Durante a investida dos soldados oponentes, o pequeno Hannibal Lecter e sua irmã mais nova Mischa, presenciam o homicídio dos pais em meio à tiroteios e explosões. Na tentativa de se proteger, as crianças se abrigam novamente no casebre, enquanto um inverno rigoroso permeia o exterior da residência. Não muito tardiamente, uma tropa inimiga aproxima-se do local e o invade, fazendo das crianças suas reféns. Frente à falta de recursos para sobrevivência e da dificuldade em caçar outros animais para se alimentarem, os soldados tomam uma decisão que resultaria em um grande arrependimento futuro. Mischa é assassinada e servida no jantar.

Pelas poucas informações sobre a primeira infância de Hannibal e sua relação com as figuras primárias, torna-se difícil uma elaboração dos conceitos de análise para o caso, entretanto, alguns indícios durante a trama podem ajudar em um direcionamento de reflexões críticas. No evento traumático descrito acima, o menino contava com aproximadamente oito anos de idade, vivenciava o período de latência sexual e o início da internalização das figuras parentais em busca da construção de uma personalidade. Conhecer a sua vivência no período marcado pelo complexo de Édipo seria fundamental para a busca do entendimento sobre seu comportamento posterior. Entretanto, é possível deduzir precocemente, que seu superego possuía uma influência relativamente fraca em confronto com um ID relativamente exacerbado, talvez resultado de uma figura paterna que não manifestou presença e impossibilitou a construção e internalização da lei (1), resultado de um complexo edípico negativo.

O controle dos impulsos primitivos da criança foi interrompido com o evento de morte da família, e somado a isso, uma possível falha na construção de um superego não permitiu uma humanização do sujeito e o aproximou de um funcionamento rudimentar de suas ações. (2). Posteriormente, um limite ao seu ímpeto foi exposto em um ambiente desfavorável. O jovem Lecter passa toda sua adolescência em um orfanato que, coincidentemente, foi instaurado no antigo casarão da família. Frente a abusos de violência física e psicológica, Hannibal escapa do local e encontra um novo contexto para a reestruturação de sua vida social, profissional e psíquica.

Agora morando com Lady Murasaki, a esposa de um tio falecido, o jovem começa a manifestar atitudes que refletem sua infância perdida e uma adolescência traumática. Como exposto anteriormente, há a possibilidade de um complexo edípico negativo ter se instaurado, e com isso, uma fixação na figura materna, resultando em comportamentos de proteção a personagens femininos. Frente a ameaças eminentes de ataques sobre essas figuras, o jovem mantém uma hostilidade profunda contra os ameaçadores, que em todas as cenas são homens. Na situação edípica, observamos uma rivalidade da criança contra o pai e um desejo de livrar-se dele (3), e perante a possibilidade de separação dessas personalidades fontes de desejos objetais, a resolução que Hannibal alcança é de aniquilação dos sujeitos que reeditam essa complexidade.

A pulsão libidinal de Lecter encontrou seu primeiro meio para sublimação na adolescência, quando inicia seu treino com artes marciais e posteriormente ao iniciar sua faculdade de medicina. Sabe-se que esse mecanismo é fundamental para a canalização de tais pulsões, podendo manejá-las de maneira aceitável, deslocando seus objetivos originais a outros mais admissíveis (4). A adversidade está no atraso desse desvio, pois, durante a adolescência, toda essa energia foi submetida à intensa repressão enquanto permaneceu no orfanato com rotinas militares, impossibilitando uma administração saudável do seu ímpeto.

Na fase inicial da sistematização da libido, o objeto que prezamos, ou desprezamos, é incorporado pela ingestão, resultando dessa forma em destruição (5). A fixação da fase oral pode ocorrer de diversos meios, um deles, é pela oposição ao abandono da catexia objetal primária, resultado da retenção de uma figura materna, já exposta anteriormente. Movido pelo anseio de vingança, Hannibal inicia sua caçada em busca dos assassinos de sua irmã. Matando um a um, o jovem reproduz o episódio daquela noite no chalé, em que sua irmã foi servida no jantar, e que agora, os soldados serão os pratos do dia. A partir daí, Lecter será conduzido por esse desejo de aniquilação e incorporação, resultado de eventos traumáticos, do retardo dos controles pulsionais e sua provável relação com os objetos primários.

Referências Bibliográficas

1, 2 - Levisky, D. L. (1998). Adolescência Pelos Caminhos da Violência: A  Psicanálise na Prática Social. São Paulo: Casa do Psicólogo

3 - Freud, S. (1905/1996). O Ego e o Id e Outros Trabalhos. Em: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol XIX Cap III). Rio de Janeiro: Imago.

4 - Freud, S. (1905/1996). Totem e Tabu e Outros Trabalhos. Em: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol XIII). Rio de Janeiro: Imago.

5 - Freud, S. (1905/1996). Além do Princípio do Prazer, Psicologia de Grupos e Outros Trabalhos. Em: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol XVIII Cap VII). Rio de Janeiro: Imago

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⏰ Última atualização: Jan 26, 2014 ⏰

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