Achou que ela apareceria no dia seguinte ao ter soprado as velhinhas, mas isso não aconteceu. Frustrado, ele tirou o dia para dormir e pediu para não ser incomodado, com uma ponta de esperança de que logo a tão esperada senhora surgiria e o levaria dali.
Ele sabia que ela estava próxima, pois já há alguns meses os sinais estavam se intensificando. Já não conseguia digitar muito bem, a tendinite já havia dominado suas mãos – depois de anos martelando teclados para contar histórias. Com frequência colocava o pote de açúcar no microondas e o copo com café no armário, a cueca por cima da calça, isso quando lembrava de usar cueca. Já tinha dificuldade para lembrar dos compromissos, dos rostos até dos parentes, mas o único rosto que não esquecia era daquele que o ajudava a lembrar de tudo mesmo com a memória não tão boa também. Seu companheiro da vida, que estava ali há pelo menos sessenta anos, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na dor e no prazer, em toda empreitada maluca que pudessem fazer juntos.
Tinham apenas um ano de diferença, e na velhice o único motivo de desavença era quando o mais velho dizia que morreria aos oitenta anos.
"Pare com isso, homem!" – dizia o mais novo – "Você vai quando tiver que ir e pronto. Oxi..."
"Já conversei com a Sra. Morte" – insistia o mais velho – "E ela concorda comigo que, depois dos oitenta, começamos a dar trabalho demais para os familiares. Eu não quero te dar dor de cabeça."
"Você me dá trabalho há sessenta anos e mesmo assim estou aqui."
E eles riam juntos, nostálgicos, com saudades do começo de tudo, das aventuras, orgias, brincadeiras, brigas e reconciliações, e tudo com muita pipoca doce, o vício do mais velho, e balas daquela marca famosa, o vício do mais novo. Se ele pudesse mudar algo do passado, mudaria a parte dos doces, pois a diabetes ataca sempre que ele baixa a guarda.
Acreditou que o fim seria logo depois de seu octogésimo aniversário, depois de realizar tudo que queria na vida, mas isso não aconteceu.
"Você realmente achou que seria agora?"
"Você pode achar que eu sou doido, mas eu realmente falei com ela sobre isso. Sempre falei nos meus livros."
"Não acho, eu sei que você é doido. Se ela não veio te buscar ainda, deve ser porque você ainda não terminou o que tem para fazer."
E então eles listaram o que não tinham feito e o que achavam que não, e foram. Viajaram para todos os lugares que não puderam, comeram tudo que outrora tiveram medo, visitaram cada parente que achavam que gostavam deles e os que sabiam que não, só para mostrar que estavam muito bem, obrigado.
O ano virou, a diabetes o forçou ao hospital, mas nada da Sra. Morte chegar. Enquanto estava lá, viu a dor de famílias perdendo o patriarca da família, chorou ao ver as crianças chorando pelo avô, e decidiu que não valia a pena ansiar por algo que uma hora ou outra apareceria, esquecendo que ele tinha uma família que sentiria sua falta. Depois de receber alta, já até tinha se esquecido da idade que tinha, e passou a importunar seus filhos, netos e marido, o máximo que pudesse, para que não sofressem tanto por não terem passado com ele o tempo que queriam.
No carnaval decidiu ver o desfile no sambódromo, coisa que evitou a vida toda por não gostar muito de tumulto, mesmo que a coluna já não fosse mais a mesma, mas ele não reclamava, pois graças as aulas de yoga feitas por livre e espontânea pressão com o namorado evitaram que fosse um velhinho corcunda e mais travado do que estava.
Foi então que ele a viu. Não sabia como sabia, mas sabia que era ela. Ela caminhava por entre os foliões como se deslizasse, sem esbarrar em ninguém, com um livro nos braços, sorrindo e acenando para ele.
Ele não avisou ninguém além do marido, que não viu para quem o mais velho apontava, mas sabia que ele não estava ficando doido. Eles se despediram como os dois jovens que se cumprimentavam e beijavam num parque muitos anos antes, e quando a moça enfim apareceu, não houve choro de tristeza, mas de alegria pelo tempo que puderam ficar juntos.
"É um dos meus livros?". – disse ele, surpreso.
"Claro, sou uma grande fã sua." – disse ela, entregando-lhe o livro com uma caneta de pena junto.
"Achei que apareceria há três meses."
"Minha contagem não começa onde todos acham que começa..."
Ao assinar, toda sua vida passou diante de seus olhos como num flash, e quando olhou a capa do livro, o título já não estava mais como um dos seus títulos.
Estava com seu nome.
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À Espera
Short StoryEle sabia que ela estava próxima, pois já há alguns meses os sinais estavam se intensificando.