Prólogo

25 2 1
                                    

A clareira estava alagada. Isto mesmo, alagada, mas não totalmente debaixo d'água. Era a primeira vez que nossos olhos presenciavam chuva. Desde que a primeira de nós havia chegado aqui, nunca sequer foi visto o clima ensolarado mudar - o que era realmente estranho. O lugar que vivemos na maioria das vezes é assim, estranho. 

Cercada por quatro enormes muros de pedra, a clareira nos protegia do labirinto que nos cercava e dos males que lá eram aprisionados. O labirinto, por si, tinha sua própria dimensão - dizíamos isso por não saber até onde seus limites se estendiam. Os portões que davam passagem a ele se abriam ao nascer do sol e fechavam ao pôr, automaticamente sem que ninguém precisasse os abrir ou fechar, fazendo um barulho de pedra sobre pedra quando se arrastavam - era um mecanismo indecifrável. Algumas de nós se arriscavam a correr durantes horas que pareciam infinitas dentro do labirinto durante o tempo em que os portões se abriam e se fechavam, de alguma forma, tentavam encontrar um padrão nos grandes muros que a cada dia se moviam abrindo passagens diferentes ou fechando antigas. Elas se chamavam corredoras e seus princípios eram simples. Se posicionarem diante dos portões prontas para correrem adentrando no labirinto assim que o sol nascesse, mapearem os locais por qual correrem, decorar o caminho de volta e chegarem em segurança, antes do sol se pôr, necessariamente antes dos portões que davam na clareira se fecharem. Ninguém nunca sobreviveu a uma noite no labirinto por conta das criaturas que lá habitavam, os verdugos - que por sorte, só vagavam pelo labirinto durante a noite, quando os portões já estavam fechados e nós estávamos seguras na clareira. Os verdugos pareciam aranhas gigantes e mecânicas, aterrorizantes e que faziam estalidos quando suas enormes pinças ficavam à mostra. Quando alguma corredora era picada por uma dessas criaturas, ia direto a loucura e era parte das regras lançar a garota no labirinto quando os portões estivessem se fechando para que morra e não cause danos a clareira por conta da consequências e reações da picada.

As clareanas - como éramos conhecidas - tínhamos atividades a fazer dentro da clareira. Algumas de nós ocupavam-se como curandeiras, outras como cozinheiras, outras como construtoras, corredoras, costureiras, plantadoras e até mesmo pescadoras. A atividade a ser executada era escolhida pela clareana a partir do momento em que tivesse sua memória recuperada após chegar à clareira. Para o norte da clareira, ficavam nossos dormitórios, construídos ao longo dos anos por construtoras usando materiais que a caixa nos oferecia. Ah, a caixa. Você deve imaginar algum pequeno objeto retangular ou quadrado de papelão - sinto muito em informar que estás errado; a caixa é uma espécie de elevador que se encontrava no centro da clareira. Ao sul, as plantações, que eram basicamente todo nosso sustento. Vinhedos, plantações de milhos, de feijão e de várias outras coisas que ficavam sob os cuidados das plantadoras. Ao leste, ficava o pequeno bosque e fluxo de água miseravelmente pequeno que chamávamos de riacho. Ele se estendia de um lado da clareira até o oposto, e era de lá que tirávamos água para banho e consumo. Por fim, a caixa - ou elevador, como preferir -, que como dito anteriormente, se encontrava no centro da clareira, e simplesmente se abria vindo de algum lugar trazendo consigo uma garota, e claro, diversos suprimentos necessários para que pudéssemos sobreviver. Era estranho o fato de a cada 30 dias exatos, a caixa fazer isso. Nunca descobrimos o porquê, e sim, já tentamos entrar na caixa e voltar com ela, mas ela não se fecha e não vai a lugar nenhum quando se há alguém dentro. Outro fato estranho: a caixa nunca sequer nos enviou um garoto. Eram apenas garotas, o que tornava tudo mais bizarro de se compreender.

Naquele dia, a clareira estava alagada por conta da chuva, e todas nós corríamos euforicamente para dentro dos dormitórios. Era a primeira alteração de clima que presenciávamos em cinco anos de vida no acampamento. Aos nossos olhos, era algo normal, mas não deixava de ser estranho. Jane - tinha 19 anos e foi a primeira garota que havia chegado à clareira e que enfrentou tudo sozinha sem saber de nada - estava quase enlouquecendo enquanto para lá e para cá pelo pequeno quarto que dividia comigo. 

- Não faz sentido, Lexie! - ela resmungava. - Não há sentido nisso, há algo errado. Há verdugos morrendo, o clima está mudando. Quando cheguei aqui enviada pela caixa, eu estava sozinha, sem memória e sem saber onde estava. E durante todos esses 5 anos vendo novas garotas chegarem aqui num ciclo de 30 dias, eu nunca vi o clima mudar como mudou agora, nunca vi sequer uma gota de água cair desse céu. Vocês estão aceitando isso como normal, sendo que nada aqui é. Qual será a próxima coisa fora dos padrões que irá nos acontecer? Os portões não se fecharem e verdugos invadirem a clareira? Um garoto chegar pela caixa? - Dito aquilo, ela se sentou respirando fundo, mal sabendo que tudo que havia suposto estava prestes a acontecer, mas não ia ser tão fácil de lidar quanto uma chuva estranha. Ia ser devastador. Ia ser o fim.

Lost in the LabyrinthOnde histórias criam vida. Descubra agora