O sol se punha atrás das montanhas cinzentas de Toca Celeste, deixando o céu lindamente alaranjado. Viver ali era sem dúvida difícil, contudo tinha suas recompensas, como a beleza daquele momento. Senti o cheiro de comida assim que entrei em casa acompanhada de meu pai. Mamãe tinha feito ensopado de legumes com carne, que caía muito bem naquele clima levemente frio, de outono querendo invernar.
— Que fome é essa, Alexa? — perguntou minha mãe, ao me ver devorar o prato de sopa à minha frente.
Não deixe minha aparência te enganar. Apesar de meus cabelos sedosos cor de chocolate, minha pele clara repleta de sardas nas bochechas e meus olhos amendoados e azuis, sou muito menos feminina do que gostaria. Sempre andei mais com meu pai, e mesmo agora aos 16 anos, não me arrependia da escolha. Papai me ensinou a independência, uma pena que com ela perdi minha graciosidade.
Meu pai deu um de seus raros risos duros. Era algo muito característico dele, que sempre me deixava feliz e surpresa quando ocorriam. Era caloroso e sofrido, e demonstrava o amor que ele sentia por mim de uma forma muito real e simples.
— Ora deixe a menina, Arlete. Ela está com fome, então deixe que coma do jeito que quiser — disse ele, me defendendo.
Minha mãe olhou para ele visivelmente contrariada, seus lábios crispados eram prova disso.
— Eu só quis dizer que ela é um exemplo para a Clarisse — apontou para minha irmãzinha, que me imitava no jeito de comer ficando toda lambuzada no processo.
Entendi o que minha mãe quis dizer, então tentei comer de maneira mais educada, visando não ser um mau exemplo para minha irmã. Contudo, estava claro que o estrago já havia sido feito e, assim, minhas tentativas de consertar o que havia feito, fracassaram.
O ambiente confortável e caloroso se desfez com uma série de gritos que deixou todos na mesa atônitos. Meu pai se levantou rapidamente e olhou pela janela buscando a causa da balbúrdia. Segui-o até lá e espiei. Havia casas pegando fogo, pessoas em chamas correndo, gritos e barulhos de luta. Papai me puxou pelo ombro me levando de volta à mesa onde ordenou:
— Arlete, pegue suprimentos e vamos.
— Agora? — perguntou minha mãe paralisada de medo, as mãos mais trêmulas que já havia visto.
— AGORA!!!
Papai foi para os fundos da casa e voltou com um machado que ele usava para cortar lenha; não era muita coisa, mas já inspirava alguma confiança. Minha mãe pegou algumas frutas e pão fresco e colocou numa trouxa. Peguei Clarisse no colo enquanto tentava acalmá-la, mas ela chorava profusamente, o pranto a deixando com as bochechas muito vermelhas. Papai foi a nossa frente guiando-nos para sair da casa, que já começava a ficar repleta de fumaça. Quando estávamos perto da porta, a mesma explodiu arremessando tábuas e nos fazendo cair.
Uma coisa se esgueirou pra dentro da casa. Tinha o corpo composto de algo que parecia lava, só que moldado na forma de uma criatura magrela com o tronco e membros finos demais para a cabeça proeminente e alongada com dois chifres e uma boca repleta de dentes afiados como navalhas. Aquele rosto horroroso era todo recoberto por uma máscara de osso.
Meu pai não perdeu tempo. Apanhou o machado do chão e desferiu uma machadada no tórax da criatura. A lâmina ficou grudada no corpo gosmento, mas fora isso nenhum dano era visível. Papai não desistiu, segurou o cabo firmemente e conseguiu retirá-la do corpo asqueroso. Num segundo, a coisa o arremessou na parede como se ele não pesasse nada, esticando o braço muitos metros. O machado caiu de suas mãos e parou de frente aos meus pés. Peguei-o amedrontada demais para fazer qualquer coisa, o que, somado ao fato de não saber onde atacar, tornou aquele ato praticamente inútil.
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Vermilion - A sociedade das máscaras
Fantasy3° lugar no concurso de Fantasia Heroica do Concursos FantasiaBR A vida tranquila de Alexa passa por um reviravolta quando uma invasão chega à sua aldeia. Criaturas que ela nunca havia visto antes, trazem a destruição ao seu amado vilarejo, deixando...