Faz alguns anos que eu abandonei a sua cama e tomei pose do meu quarto, foi um ato repleto de coragem: sair do ninho para enfrentar sozinha os meus pesadelos. No começo eu demorava pra pegar no sono porque eu tinha medo de engasgar e você não estar do meu lado para me salvar, mas você nunca deixou de passar no meu quarto duas ou três vezes durante a madrugada pra certificar de que estava tudo bem e até hoje eu escuto, no meio da noite, seus passos ficarem mais lentos quando passam pela minha porta, seus olhos certificam que ok, não há nada de errado e você vai embora. E eu durmo bem mais segura. Eu sei que isso tudo — eu crescer — é mais difícil para você do que para mim.Você também sempre cuidou pra que eu não ficasse doente, fui dessas crianças com a imunidade alta, tudo consequência dos sucos de frutas com legumes que turbinaram meus anticorpos, o problema é que eu também era dessas inquietas, que parecem ter bicho no corpo: pulava, corria, me escondia e caía. Muito. Para piorar ainda era — sou — desastrada: colecionei arranhões, roxos, machucados. Mas nunca quebrei nada e disso você se orgulhava. Os ossos fortes também eram resultados da alimentação com muito cálcio, das proteínas e das suas rezas. O problema surgiu na adolescência quando alguém ousou me deixar em caquinhos. Era audácia demais! Você nunca aceitou. Se antes tudo se curava com band-aid e merthiolate, foi o seu colo em todas as tardes e noites que eu passei chorando que me curou. Foi a sua paciência, os abraços demorados e todas as vezes em que você não disse nada, porque não era preciso, só ficou do meu lado até ficar tudo bem de novo. E sempre ficava.
Quando meus problemas deixaram de ser arrumar as bonecas ou escolher algum desenho animado, seus cabelos começaram a embranquecer. Lembro que na primeira noite em que eu sai sozinha você parecia tranquila, se despediu, não fez milhões de perguntas e não ficou lotando meu celular com mensagens, voltei pouco depois das três e você ainda estava com os dois olhos bem abertos saltando da televisão para o relógio, foi aí que eu percebi: no fundo vou ser pra sempre a sua garotinha, não importa o quanto eu cresça. E eu sei que o seu coração aperta toda vez que eu coloco o nariz pra fora da porta de casa, quando eu demoro pra te atender suas ligações ou responder algum sms. Reclamo quase o tempo todo desse seu carinho excessivo, bato o pé que você me sufoca e me protege de mais, mas é só para não fugir do meu papel de filha, do mesmo jeito que você ainda se certifica se eu estou bem, mesmo sabendo que eu vou estar.
Também enfrentamos juntas a fase do vestibular e todas aquelas dúvidas sobre o futuro. Você deixou a minha cabeça voar de jornalismo a pedagogia sem meter o bedelho, era uma escolha minha, e mesmo sem gostar muito, você sempre respeitou o meu espaço, o meu momento, as minhas decisões, as minhas vontades. Sempre me apoiou, por mais sem noção que a minha ideia pudesse ser, por mais que você discordasse, suas mãos sempre estiveram estendidas para eu puxar caso eu precisasse — e eu sei que sempre estarão. Afinal, eu sei que se antes o medo era eu cair no escorregador, hoje o voo é bem maior, e o tombo pode ser também.
Cê evitou cada ferida que pode, tratou de todos os machucados e se culpou quando algo me atacou. Coisa de mãe, coisa da minha mãe. Eu sei que se você pudesse me colocar em um pote pra nunca mais sair, você colocaria, mas também sei que soltaria logo em seguida, porque você sabe que fez muito bem o seu papel, me deu todas as ferramentas necessárias pra eu construir o meu futuro sozinha. Agora eu só preciso que você continue comigo, e a gente vai poder voar juntas.
Obrigada por ter sido mãe, amiga e um pouco de tudo que me faltou. Por ter sido firme quando precisou e por todas as vezes que você amoleceu. Ser mãe é um pouco disso, não é!? Dizer não para o pirulito antes do jantar, mas depois dar dois.