Prólogo

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Lauren

Começou com uma piada.
Ninguém acreditava que ele iria ganhar as eleições para a presidência - todos apostavam em Marília ganhando, no máximo, no segundo turno, com uma bela porcentagem à frente. Ela era o tudo o que aquela população precisava: forte e de garra, e representava tudo o que buscávamos: a luta incessante pelos direitos igualitários e uma sociedade mais equilibrada.
Começou com uma piada, mas no final não foi um choque. "Era esperado" Lucy diria em seu tom de voz irônico, e ela estava certa. O mundo estava passando por uma onda de conservadorismo na última década, mas até os mais céticos como eu duvidariam que o país seria capaz de eleger como seu maior representante alguém que exalava tanto ódio.
Eu estava enganada, e doeu perceber o quão burra havia sido. Era aquilo o que as pessoas queriam - era aquilo o que viam no espelho quando as palavras de alguém como ele penetravam lentamente em seus ouvidos. Nós éramos puro ódio, e eu me recusara a ver. Eu ainda mantinha meu fio de esperança na humanidade.
Aquele era o plano desde o início. A prefeitura era um cargo pequeno para J.H, e ele não precisava de dinheiro, obviamente. O cara cagava milhões e aumentava sua fortuna diariamente - que ele tão honestamente havia conquistado, com a pequena ajuda de uma herança de família maior do que a renda mensal de todo nosso vilarejo.
Todos acreditávamos que sua gestão não seria memorável - tirando a parte do grande descontentamento de alguns de nós - que ele não faria grandes coisas. Mas foi. A cada dia de seu mandato, seu nome aparecia nas notícias com algumas de suas ações polêmicas, e todos nos fazíamos a mesma pergunta: que diabos ele está fazendo? E, como um ratinho esgueirando-se lentamente, ele fez. Ao final de 4 anos, o terreno estava plantado: todos sabiam seu nome, tanto para criticar seu mandato quanto para dizer que aquele havia sido o melhor prefeito que a cidade de Cornélia tivera em anos.
E alguns anos depois ele estava concorrendo a presidente.
Então J.H foi para o segundo turno, e meus olhos sangraram quando ele ganhou. O próximo mês foi seguido de manifestações e repressão violenta por toda a parte, e nós estávamos na linha da frente, corajosos no início. Até toda a coisa começar - o bastardo distribuía ódio por onde passava, contaminando mentes pequenas que se sentiam representadas por ele; destruindo a infância de crianças inocentes, como seu filho Timothy, que crescera num ambiente tão tóxico quanto possível.
A coisa começou, e ninguém conseguia pará-lo - tudo o que podíamos fazer era resistir.
A separação dos estados - que inicialmente parecera ridícula. As propagandas diárias exalando ódio gratuito às minorias. A mudanças nas apostilas e materiais escolares - que foram queimadas numa forma de protesto, e no mês seguinte nossas famílias receberam multas assustadoras que não poderíamos pagar. A proibição de reuniões de grupos contrários a seu governo. O toque de recolher. E então o golpe.
Eu poderia dizer que nenhum de nós esperava - nós ainda acreditávamos numa salvação, na tão falada democracia (aquela coisa que nunca de fato havíamos presenciado), mas eu já havia sido alertada sobre a possibilidade - em nossas reuniões, que incluía alguns estudantes da faculdade e os coletivos mais próximos, e também por Lucy. Ela sempre esteve um passo a frente, aquela cretina inteligente.
Nós acordamos numa manhã de quinta feira com uma mudança na constituição, anunciada por todos os canais, ainda abertos, da televisão - e a ditadura declarada. Ele tinha aliados, tanto dentro da população, que via naquilo uma solução, quanto no governo (milhares deles) mas nós resistimos - inicialmente.
Até a marca - como a porra de um Hitler, ele nos separou. Todos os que tinham a marca, o que incluía massivamente a comunidade lgbt, imigrantes, negros, mulheres que se auto declarassem feministas, indígenas e também qualquer um que o desafiasse de qualquer forma - ameaças em potencial, ele dizia em suas propagandas. Houve resistência, e então ele cercou tudo. Seus aliados estavam por toda a parte, armados até o dedo mindinho, sem medo de serem punidos, porque não havia punição - para eles.
Então de repente surgiram os boatos - eu soubera por Lucy, em um de nossos encontros escondidos no meio da noite. Eles se nomeavam "a resistência", e estavam escondidos, planejando uma revolução - ela dizia, e eu ri inicialmente, até perceber que ela estava falando sério.
Eles estavam na cidade nublada - como nós a chamávamos, que de repente se tornara o centro do mundo. Bem na cova dos leões. Era o lugar mais óbvio, e, também, exatamente onde não os procurariam nunca.
Aquela viagem tinha tudo para dar errado, mas nós precisávamos tentar. Nós saímos, no meio da noite, quatro pessoas esmagadas no traseira de uma caminhão de carne. Não foi bonito, mas nós chegamos vivos.
E agora ali estava eu, em um buraco imundo aguardando ansiosamente o momento em que eles iriam resolver me matar, porque, ao contrário do que pareciam acreditar - eu ouvia suas risadas, já que os filhos da puta não faziam nenhum esforço para serem silenciosos - eu não daria as informações que eles desejavam. Nem que todo o meu sangue tivesse de cair naquela cela.

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⏰ Última atualização: Feb 03, 2017 ⏰

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