Mas o que verdadeiramente o imortalizou enquanto figura mítica ou herói nacional lá do bairro e lhe valeu a alcunha de "Capitão" não foi apenas um episódio cómico. Foi épico e ficou registado no jornal regional, gravado nos arquivos das rádios locais e da Radio Televisão Portuguesa. Estou a falar do jogo de futebol que a nossa equipa ganhou ao Varzim para a Taça de Portugal de 1986. O Américo entrou na segunda parte depois do Zé Mário (nosso ponta de lança Brasileiro) se ter lesionado. O rapaz de 16 anitos e metro e meio parecia possuído pelo demo. Fintou três adversários e foi travado em falta na grande área. Chamado a converter a grande penalidade o Zé Bacamarte (um defesa central que mais parecia Conan o bárbaro em versão preta) lançou um torpedo que ia furando as redes da baliza. Ninguém conseguiu explicar o que deu ao Américo naquela tarde de Domingo. Ele não voltou a jogar assim e ainda hoje está por desvendar o mistério da protuberância priapesca que se lhe destacava nos calções.
Na verdade, tudo começou com mais uma experiência arriscada do nosso intrépido "Capitão". Sou dos poucos a conhecer a história verdadeira (que em muito ultrapassa o mito) porque na ininterrupta narrativa aos que lhe eram próximos, Américo desfez as dúvidas.
O relato que transcrevo, fez-se de forma intermitente, num concurso de escarretas que durou uma semana de intervalos das aulas. Devo esclarecer que andávamos no décimo primeiro ano e o Américo já passava do metro e meio. Pesava perto de cinquenta quilos. Na final do concurso o Joaquim Sousa provou ser o mais dotado dos rapazes ao conseguir a proeza de mandar uma escarreta a doze passos de distância. Eu fiquei em segundo lugar com uma distância de dez passos. Mas como tocávamos tuba na banda filarmónica, na tentativa vã de engatar as gémeas do clarinete, ficou cientificamente provado que desenvolvemos capacidades sobre-humanas, no que toca à arte do arremesso de saliva espessa pelas beiças. Posto isto, vamos ao que interessa.
- "Tornei-me capitão da equipa de futebol graças ao meu avô. Palavra de honra, escusam de olhar assim para mim. Vocês não o conhecem porque ele é do Minho e nunca nos tinha visitado antes. Zangou-se com a minha mãe quando percebeu que a barriga saliente não era inchaço mas a prova que ela tinha rebolado na palha com o namorado. Era uma vergonha para um GNR de respeito como ele ter a filha de 15 anos grávida. Quem o havia de levar a sério depois disso? De maneiras que o velho fez um telefonema para a irmã que tinha saído da Barca há um horror de anos para servir numa casa de bem e decidiram, de comum acordo (pelo bem da reputação da família), deportar a minha mãe para longe. Bom, mas essa parte não interessa nada. A verdade é que o filho da puta do velho, que não tem outro nome, teve a lata de nos aparecer lá em casa de mala aviada. Que queria conhecer os netinhos, que estava a ficar velho e queria fazer as pazes e a dona Flávia, parva, abraçou-se ao cabrão do velho a chorar. Só me apeteceu bater-lhe, juro-vos. Mas eu descobri-lhe a careca num instante. O meu avô acordava com as galinhas e migava um papo-seco duro numa caneca de leite. Depois de beber a mistela nojenta o gajo deitava dez gotas de um líquido amarelado num copo de água, guardava o frasco entre as roupas que ainda estavam na mala e saia sem dizer água vai a ninguém. Sabem o que é que o meu avô cá veio fazer, afinal ? Eu digo-vos. Veio às meninas, foi que foi!!"
- Olha lá Américo (disse eu) então o teu avô não podia ir às meninas lá na terra? Achas que o homem fazia trezentos quilómetros para isso? Também lá deve haver um bataclan, não ?
- " O meu avô é um ex-guarda nacional republicano e não quer que ninguém lá da terra tenha alguma coisa a apontar-lhe, estás a perceber?
- Ok Américo mas o que é que essa história do teu avô tem a ver com a tua ascensão a Capitão de equipa ?
- Já lá vamos. No Sábado que antecedeu o jogo com o Varzim , depois do velho sair, fui investigar o que ele guardava no frasco, Achava estranho ele beber aquilo depois do pequeno-almoço às escondidas. Virei-lhe a mala e lá encontrei o frasquito enfiado num peúgo. Era castanho e não dava para ver a cor do líquido. Tinha uma etiqueta branca com a indicação PAU DE CABINDA escrita a lapiseira com letra maiúscula. Não sei o que me passou pela cabeça, juro-vos. Deu-me um "vaipe" e entornei meio frasco daquela merda num copo de água e bebi de penálti. O sabor não era mau. Parecia chá de erva-cidreira ou assim e na altura não me fez nada. Fiquei porreirinho da vida e no treino da tarde senti-me normal. Era o mesmo Américo de sempre. O problema foi no Domingo, pá! Acordei de pau feito e com uma dor nos bagos que não vos passa pela cabeça. Bebi dois cafés curtos em jejum e comi uma carcaça com presento mas o raio do pau não baixava por nada. Não estão bem a ver a cena. Um gajo a querer mijar e aquilo virado para cima. Tive que ir à rua aliviar-me. Agora imaginem a minha aflição. Quer-se dizer, estava quase na hora do jogo e eu naquele estado, de pau feito. Quando cheguei ao balneário disse para comigo que estava na hora de tomar medidas drásticas porque não me podia apresentar naquele estado ao mister, não é?
- O que é que fizeste pá?
- Então, foi para a casa de banho afiar a lapiseira, foi o que foi.
- E resultou?
- Qual quê. Ia partindo o pulso de tanto esgalhar aquilo mas nada feito. Acabei por vestir o equipamento naquele estado. Não sei se foi dos cafés ou dos nervos ou tudo junto mas o pau de cabinda, além de me endireitar a verga três dias seguidos, deu-me uma força do camando. Bem, digo-vos, corria que nem um perdido e não sentia as pernas. Foi assim que passei pelos gajos do varzim e levei uma serrafada nas canelas que ainda hoje me dói"
Quando o efeito afrodisíaco do chá africano que o avô do Américo escondia na peúga, passou, o rapaz deixou de ter poderes especiais e a ordem natural das coisas repôs-se. Aquela correria desenfreada movida a pau-de-cabinda, num domingo chuvoso de Abril, coroou uma juventude de feitos e peripécias do "Capitão Américo" de Marvila.
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OS HERÓIS CÓMICOS DA MINHA ESCOLA
Short StoryAs aventuras loucas dos meus colegas fantasiados pela minha imaginação. Uma visão romântica e ingénua da escola secundária dos anos 80