Lorraine andou de um lado para o outro, impaciente. A raiva a consumia sempre que tinha que falar com a Central. Sentou na cadeira novamente quando seu nome foi chamado.
– Estou atenta – ela disse entredentes. – Minha única exigência é permanecer na nave, que os tripulantes voltem para suas casas eu não me importo, mas não desejo retornar.
– Sua exigência está fora de cogitação, Capitã Aksnes. A Central Estelar Americana quer que a nave volte, sem exceções de integrantes. A senhora está se aposentando e a nave já está velha e ultrapassada – disse a mulher na tela. – Deve avisar à sua tripulação. A missão findou.
– Pois bem, vocês sempre tiveram minha obediência – disse Lorraine com um gosto amargo na boca.
– Contamos com isso, Capitã. Aqui é Alice Scarpa, porta-voz oficial da Central Estelar Americana, C. E. A., das Américas Atenienses, encerrando contato com Lorraine Aksnes, capitã da nave Polis Atenas 257 – disse como um texto gravado que devia pôr fim à transmissão oficial.
Depois do dito a tela se apagou, Lorraine se permitiu deixar extravasar a raiva pela decisão e arrancou o distintivo jogando-o do outro lado do pequeno quarto. Era um pequeno cômodo com uma cama, uma mesa com uma caixa grande o bastante para guardar bem todos os disquetes onde agora eram armazenados os livros que ela lia e as pesquisas já feitas pelos tripulantes da nave.
Ela alisou os cabelos castanhos presos em um coque. Odiava ter que voltar para a Terra, conviver com pessoas mais do que ela já conseguia suportar dentro da própria nave. Poucos dias depois da viagem espacial iniciada, os tripulantes da nave evitavam estar muito perto dela já que ela mesma se isolava, era acidamente sarcástica, calada, deslocada quando em grupo...
Diziam que isso devia ter sido cultivado em seu interior depois que soube da morte do amado noivo recrutado para Guerras Estelares há 35 anos. Depois da notícia, a jovem Lorraine de vinte anos se isolou de tudo e de todos que pensaram, no início, que eram sintomas de depressão, mas na verdade eram os primeiros sintomas da misantropia, quando alguém tem repulsa e aversão aos seres humanos e à humanidade de forma geral.
Lorraine tomou um gole de uma bebida âmbar ainda mais forte do que o whisky já foi, mas ela já estava acostumada. Pôs o copo chato sobre a mesa e controlou sua raiva por estar sendo aposentada e retornando à Terra. Apertou o botão autofalante que reproduziria sua voz para todos na nave.
– Todos os tripulantes se reúnam no refeitório para anúncio oficial – disse pelo microfone.
Ela saiu de seu pequeno quarto para o refeitório, o único lugar na velha nave que conseguia comportar todos de uma vez. Era uma equipe formada por cem integrantes com diversas funções especificas, dentre estas: biólogos, médicos, guardas, engenheiros e até dentistas. Como tudo na nave estava tranquilo demais, todos chegaram rapidamente ao local indicado. Lorraine anunciou a volta para a Terra dentro pelo menos sete dias terrestres. Todos pularam e gritaram em comemoração, alguns choraram e ela apenas permaneceu ali pensando em como todos eram impregnados de fingimento, falsidade e egoísmo. Seu estômago chegava a embrulhar de nojo por vê-los, por ter que conviver com eles, por estar perto deles, e agora teria que voltar à Terra onde seria obrigada a conviver com muito mais deles. Deu as costas à animação dos tripulantes e caminhou para o centro de controle.
A humanidade tinha evoluído bastante para o bem e para o mal. Algumas doenças que se pensava serem incuráveis antes, agora tinham vacinas e modos de prevenção. Os seres humanos aprenderam a usar mais da energia renovável e diminuíram gradativamente a poluição fazendo a qualidade de vida de o planeta melhorar de forma incomparável. Mas isto veio depois da Primeira Cisão consequente das Terceira e Quarta Guerras Mundiais.
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Polis 257
Short StoryMi.san.tro.pi.a (grego: misanthropía) 1. Rejeição, antipatia ou aversão às pessoas; 2. Aversão à sociedade, antropofobia. Depois de anos vagando pelo espaço fazendo pesquisas a nave Polis Atenas 257 retornará para casa. Mas a capitã Lorraine Aksnes...