Tic- Tac ... Tic- Tac ...
Os meus sentidos iam ficando mais apurados. Abri os olhos e descobri que o mundo estava todo na horizontal. As paredes eram azul-claro e o teto branco, o relógio estava dependurado acima do meu leito. Minha cabeça doía. Vi vários pares de pernas passando além da porta... indo e vindo. Com um pouco de esforço me sentei na cama. O cheiro forte de éter entregou minha localização. Me preparei para esfregar os olhos mas quando flexionei meus dedos senti uma dor agonizante, só então percebi as faixas cobrindo os nós dos meus dedos em ambas as mãos.
De repente todas as lembranças se tornaram nítidas... a festa... as bebidas... a batida. Instintivamente pus a mão na testa e senti o volume do curativo. Me levantei meio cambaleando, eu precisava saber se Luana estava bem, mas não cheguei a dar nem dois passos, na porta do quarto onde eu estava surgiu uma Luciana Fontenelli bem irritada. Seu marido apareceu logo atrás, eles cochicharam alguma coisa e apenas ela veio em minha direção. Ela me olhou de alto a baixo e suspirou.
- Agora me explique porque diabos os médicos encontraram ecstasy na corrente sanguínea dela...
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Toda aquela confusão com o Will só serviu para tornar o discurso de minha mãe mais dramático. Logo após a ambulância levar os dois jovens para o hospital a multidão foi se dispersando e então o olhar de minha progenitora caiu sobre mim. Ela fez sinal para que eu entrasse em casa e pela sua cara eu estava completamente fodido.
Pesquei o celular de cima do criado-mudo. Quando cliquei na tela os números praticamente saltaram, 11 hrs e 40 min. Do lado direito havia um ícone de sms. O corpo do texto era composto por apenas três palavras...
Obrigada por ontem...
Sorri comigo mesmo, orgulhoso. Minha mãe entrou no quarto com uma cara de tacho, trazia em seus braços uma pilha de roupas dobradas. Ela as depositou sobre uma cadeira e veio em minha direção, imaginei que ela ia continuar com o mesmo lenga-lenga. Eu já estava pedindo a Deus para me deixar momentaneamente surdo pois eu não aguentaria ouvir aquilo tudo de novo. Cheguei até a desejar voltar no tempo e preferir quando ela simplesmente me batia e pronto, caso resolvido.
Ela sentou-se na beirada do colchão e ficou me encarando em silêncio. Eu também resolvi me sentar... deixei um longo suspiro escapar.
- Tudo bem, pode falar... vai em frente, joga na minha cara de novo que preferia que eu não tivesse nascido...
A expressão dela amenizou.
- A mãe da Sarah ligou...
Olhei para ela surpreso mas permaneci em silêncio.
- Ela me contou o que você fez ontem...
Por um momento parecia haver arrependimento em sua voz.
- Bom... o que quero dizer é que...
Ela baixou a cabeça para que eu não visse suas lágrimas. De repente senti um aperto dentro do peito. Ela continuou falando...
- Você viu né, aquele rapaz... praticamente da sua idade... ele teve muita sorte... todo dia eu vejo passando na TV esse tipo de coisa... você sabe o quanto peço a Deus para não receber uma chamada do hospital? Você é meu filho, porra! Nenhum pai quer ter o desgosto de ver seu filho na pior...
Eu não consegui me segurar e logo estávamos nós dois ali abraçados. Ela era terrível em pedir desculpas, sempre com uma postura de durona, não levava desaforo para casa e tudo tinha que ser do jeito dela... mas eu a amava mesmo assim e odiava vê-la chorar.
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- Estou bem sim mãe... quando vou? Ah quando eu ficar de férias, ué!
Ela caminhava de um lado para o outro com o celular grudado no ouvido. Me sentei na cama e fiquei observando-a em silêncio.
- Sei, sei... dá um beijão na vó... tá certo...
Percebendo que eu a encarava ela me olhou e sinalizou com a mão para que eu aguardasse um minuto. Assenti com a cabeça. Estiquei meus braços para trás fazendo com que meus ossos estralassem, ela me olhou com uma cara feia.
- O que foi? (Perguntei de forma inaudível)
Ela apenas pôs o indicador sobre os lábios em um pedido para que eu ficasse quieto. Balancei a cabeça em sinal de reprovação e fiquei ali aguardando que ela encerrasse a chamada e eu pudesse falar ou me mover sem ser repreendido.
- Ok... também te amo...
Ela depositou o celular sobre o cômoda e suspirou pesadamente.
- Quando você vai contar a ela sobre "nós"?
Ela me encarou em silêncio. Eu sinceramente, não conseguia entender porquê ela mantinha nosso relacionamento em segredo de sua família... ela já era praticamente adulta, morava sozinha... ou seja, já tinha responsabilidade por si mesma... não devia nada a ninguém. Da minha parte minha mãe sabia e ela até gostava muito da Helena... vivia mandando eu chamá-la para almoçar conosco nos feriados.
Fiquei ali matutando comigo mesmo, um tanto desapontado... aqueles pensamentos da noite anterior voltavam a rondar minha mente, me deixando inquieto. Ela veio e sentou-se ao meu lado na cama ainda em silêncio. Pus meu braço ao redor de seus ombros e ela encostou a cabeça em meu peito, pensativa. Apoiei meu maxilar em sua cabeça e inspirei o cheiro de seu shampoo. Eu não conseguia relaxar, isso estava me incomodando. Afinal, do quê ela tinha tanto medo?
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Agradeci ao Sr. Fontenelli pela carona e caminhei em direção a imensa porta de madeira da minha casa. Subi lentamente as escadas, meu corpo ainda doía... Depois de alguns exames os médicos me liberaram e receitaram apenas alguns analgésicos. Eu não tinha a menor idéia do paradeiro do meu carro e precisava resolver isso antes de meus pais voltarem de viagem. A cada passo que eu dava eu podia ouvir o barulho de motor se distanciando de nossa propriedade. Na minha mente se passavam mil e uma coisas. Por um minuto cheguei a duvidar se tomei a decisão certa assumindo a responsabilidade pela droga. Tudo bem que Luana nunca vai se consertar se sempre tiver alguém encobrindo suas burradas, mas... nem sei o que me deu naquela hora... só fui inventando um monte de mentiras para salvar a pele de "minha parceira". Nem sei se eles realmente acreditaram em mim.
Girei a maçaneta, a casa estava imersa no silêncio. Fui entrando despreocupadamente, relaxado até demais... Fiquei completamente paralisado ao encontrar aquele par de olhos azuis me fuzilando. Ela se levantou do sofá e caminhou em minha direção já que eu não conseguia me mover.
- A mãe da Luana me ligou apavorada ontem à noite ... Nós ficamos muito preocupados, mas não podíamos vir os dois, então peguei o primeiro vôo para cá.
Suas malas estavam ao lado do braço esquerdo do sofá, um sinal óbvio de que ela tinha acabado de chegar.
- Nós estávamos no meio de uma negociação importante... Mas o que realmente importa aqui é... você tem idéia do tamanho da encrenca em que se meteu, William?
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Convergindo (Em Construção)
Teen Fiction"...toda essa história começou há seis semanas atrás quando minha rotina continuava pacífica e monótona... aliás, eu já estava contando os dias para minha formatura, não porque estivesse empolgada e sim por querer me ver logo livre disso. Tão inocen...