O astronauta - Capítulo único.

6 3 0
                                    

A figura emblemática, o astronauta: nascido na corrida espacial da guerra fria, é o símbolo de um passo maior na história da humanidade. A grandiosa humanidade. Nós fizemos Deuses em nosso próprio paraíso de concreto, aço e botões de total monumentalidade e magnificência. Magníficos, de fato, somos. E o astronauta, – exemplo de nossa imensidão – Junto com os satélites, raios lasers, telescópios e foguetes... São a extensão do poder da humanidade além dela própria.

Mas, a história a ser contada agora, se passa em algum tempo mais distante que o presente. Uma pequenina história de um astronauta – Sim, um dos símbolos da extensão do humano poder. Entretanto, seu nome será esquecido, bem como ele próprio. Ele como poderia se esperar, um grande intelectual: letrado nos muitos mistérios do cosmos e seus mecanismos. Já um veterano das viagens espaciais. Qual era seu limite? Ora, era até onde a nave pudesse lhe levar. E a máquina era incrível, a materialização da superior racionalidade e capacidade humana. E foi pela manhã, em mais uma viagem sideral, quando a nave zarpou na companhia de sua tripulação e o sedento astronauta absorto em seus pensamentos de conquista e grandeza.

Aquela missão em especial seria o ápice: Finalmente a humanidade deixaria seu berço (o sistema solar) para aventurar-se além do cinturão de Kuiper. O trabalho estava concretizado, os circuitos prontos, equipe a bordo preparada e o astronauta clamava por desfrutar sua potência divina. Iniciada, então, a contagem regressiva, as faíscas dos propulsores, velocidade, o chão afastando-se e tornando-se pequeno, quando o planeta já havia ficado pequeno demais... Tudo agora era o mergulho, o caos da vastidão escura do universo.

Meses foram consumidos para que a espaçonave chegasse a seu objetivo e um pouco mais para ultrapassar o mesmo. Agora, extrapolado os limites e o objetivo inicial, o viajante das estrelas almejava lançar-se mais além e fez com que sua nave seguisse profundamente as regiões interestelares, fazendo a missão, neste momento, durar anos. Anos flutuando... tentando transpor a barreira das barreiras.

No entanto, tudo um dia parou; os propulsores desligaram, os computadores micro-modernos tornaram-se imprecisos. Olhando pela janela, o astronauta e sua tripulação contemplaram uma nebulosa tão grande quanto o inimaginável, cujas colunas de gás, poeira e plasma emitiam luzes coloridas e estrelas nasciam em seu antro colossal onde as matérias cósmicas dobravam-se e debruçavam-se em si mesmas. Com isso, hipnotizado ficara o astronauta, pelas formas e cores suaves e intensas irradiando do titã. Em estado de transe, ele vestiu seu traje: fixou o capacete, colocou as luvas, acoplou a mochila. Já vira planetas, pisado em planetas, passado por asteroides tão imensos que adquiriram formato hidrostático, luas... Através das fotos dos satélites , vira também outros sóis, galáxias e nebulosas como a observada nesse instante por ele. Mas, nesta ocasião, encontrava-se, pessoalmente, frente ao mais belo evento já visto. É claro que, em realidade, essa gigantesca nuvem molecular estava igualmente tão distante como se poderia imaginar. Contundo, os olhos do astronauta podiam vê-la em sua total exuberância ao ponto de achar que ela estava ao alcance de suas mãos.

Dessa forma, o astronauta, – aprumado em suas vestes – fora da percepção dos demais, abriu a porta lateral da espaçonave e caminhou até sua beirada, deliciando-se com a visão das cromáticas colunas de poeira, gás e íons. No limiar da porta, o viajante dobrou os joelhos, deu o último impulso e saltou rumo ao infinito. Lentamente pairou com os braços abertos projetados para frente em direção à nebulosa. Ao resto da tripulação, sobrou apenas assistir pela janela um Ser, ao longe, que deslizava em velocidade constante espaço adentro.

O astronauta chegara a um ponto onde não mais poderia voltar à segurança da nave (e não a queria). Ele havia se lançado em uma viagem sem volta. Esculpiu um sorriso em seu rosto, os braços balançando juntamente com os dedos das mãos tentando fisgar a grande nuvem e um brilho psicodélico nos olhos misturando-se aos espectros coloridos da imensurável nuvem espacial neles refletidos.

Observado da janela da sala de controle, a tripulação assustou-se definitivamente quando, misteriosamente, o Ser, já distante e lá fora, suspenso no infinito, atendendo ao chamado da beleza sideral, principiou a tornar-se translúcido até desaparecer por completo lentamente e nunca mais ser visto.

FIM?

O astronautaOnde histórias criam vida. Descubra agora