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Capítulo Único - Memórias Embaçadas em uma Mente Enevoada

❝As duas garotas caminhavam por entre as árvores à algum tempo, seus sacos de dormir começando a lhe pesar nos ombros. Enfim, chegaram a uma pequena clareira: apenas um pequeno ponto aberto no meio daquela mata fechada, galhos secos caídos no chão de folhas amarronzadas pelo tempo, a luz do sol passando por entre as copas das grandes árvores.

— Acho que aqui é um bom lugar. — falou Rosé.

— Hum... Não tenho muita certeza. Zimbros não nascem perto de rios, logo, não acharemos água tão fácil. — Lisa observou.

— Precisamos descansar, Lisa. E nessa floresta só há zimbros. Deveríamos ter parado na primeira clareira que encontramos. Pelo menos, naquela havíam algumas árvores frutíferas.

Lisa resolveu ceder. Precisavam mesmo descansar um pouco. Suas energias estavam gastas e seus pés começavam a implorar por serem libertos daquelas botas apertadas.

Soltaram suas mochilas e começaram a construir a pequena barraca. Pegaram todos os ítens e, em alguns minutos depois, uma barraca com capacidade para duas pessoas estava pronta.

— Da última vez, não fizemos tão rápido. — Rosé disse. Lisa riu diante a lembrança da primeira que foram acampar juntas, à alguns anos atrás, antes de tudo acontecer.

Tinham por volta de quinze anos, seus pais tinham ido viajar e Rosé acabara ficando na casa de Lisa. Em uma tarde em que não tinham, absolutamente, nada para com o qual se entreterem, resolveram se aventurar pela floresta que havia numa pequena reserva nas redondezas. Se abasteceram de muitas coisas que, na hora, pareceram necessárias, mas que realmente, não eram. Acabaram se lamentando no fim do dia por terem pego coisas demais. Demoraram cerca de uma hora para conseguirem montar toda a barraca. Até que Lisa soubesse onde havia colocado o manual de instruções, tinha se passado trinta minutos. 

Depois de tudo arrumado, fizeram uma fogueira para se aquecerem e conseguirem cozinhar algo.

— Está escurecendo. — Lisa disse, encarando o horizonte, onde as nuvens ganhavam um tom alaranjado . — Devemos entrar para dormir, se não quisermos ser atacadas por animais noturnos.

— Não fique tão tensa, Lisa. Nessa floresta não há muita atividade silvestre. Não há muitos animais. — Rosé grunhiu, a última frase soando totalmente absurda para si. Uma floresta onde não há animais.

— Não fique assim, Roséanne. Aqui moram alguns tipos de pássaros.

— Essa reserva deveria ser protegida. Mas o máximo que fazem é colocarem placas dizendo "PRESENÇA DE VIDA SILVESTRE" como se isso fosse mudar em algo. Os animais continuam sendo atropelados. Ou contrabandeados.

R

osé era uma ativista do meio-ambiente e das causas sociais. Sempre quis poder fazer uma grande diferença no mundo, como se algumas palavras pudessem mudar o curso de toda uma vida, ou até mesmo, algumas opiniões deformadas. Sonhava em ser arquiteta, apesar de não ter nada haver com sua natureza protestante. Sempre participou de manifestações com suas próprias perspectivas e questões, mesmo nunca tendo o respeito ansiado.

Lisa era mais centrada. Os seus pés eram mais colados ao chão, mas admitia que sempre invejou a capacidade de sonhar da amiga, coisa que nunca se permitiu. Sempre falara que “quem sonha, nem sempre alcança”, que era parcialmente verdade, mas não totalmente. Tinha muitos medos. Aranhas, sapos, borboletas, gatos, cachorros. Era o completo oposto de Rosé. Amigas tão unidas mas tão diferentes, que seus familiares costumavam dizer que um dia acabariam se casando, já que se completavam. Lisa e Rosé riam, alegando que isso estava fora de questão, que eram muito amigas para assumir outro tipo de relação. Talvez, elas estivessem certas.

— Você conseguiu lembrar-se de algo? — Lisa perguntou, depois de se aconchegarem na pequena barraca.

— Apenas alguns flashs — respondeu Rosé. — Algo como uma praia, algumas risadas e uma fogueira.

— Você disse risadas? — Lisa franziu o cenho.

— E-eu acho que sim. É mais como um quarto escuro, e risadas ao longe, junto com algumas vozes. Elas dizem algo, mas não consigo identificar o quê.

— Talvez seja do tempo em que você passou no St. Mary. — Lisa falou.

— É, talvez seja. — Rosé grunhiu.

O St. Mary não era uma lembrança que agradace a Rosé. Ele era um pequeno internato para pessoas com problemas, às vezes, sérios, de saúde mental, localizado na Austrália. Rosé não era louca, disso ela tinha certeza, ela apenas tinha algumas lembranças que não faziam parte das suas. Como se alguém estivesse lhe enviando mensagens de texto com memórias direto em sua cabeça. Pelo menos, era o que os médicos do St. Mary diziam.

— Você acha que algum dia irei voltar para lá? — perguntou.

— Se depender de mim, não. — Lisa falou, convicta. — Mas, Rosé, esses flashs... Eles fazem algum sentido? Quer dizer, para você?

— Raramente — de repente, o zíper da barraca pareceu muito interessante. — Na maioria das vezes, são como fotografias espalhadas. Não acho que façam sentido juntas.

— Você nunca tentou juntá-las?

— Não.

Passaram algum tempo, o som dos pássaros noturnos do lado de fora do cômodo embalando o silêncio. Enfim, resolveram dormir.

Lisa nunca soube como. Mas, na manhã seguinte, ao acordar, e encontrou Rosé do lado de fora da barraca, seus lábios azuis e suas roupas encharcadas, os olhos vidrados. A garota ruiva não tinha pulso. Ela não respirava.

Algum anos depois, Lisa voltou na mesma clareira. Nada tinha mudado, a mesma barraca estava lá, um pouco danificada pelo tempo, mas ainda assim, a mesma barraca. A fogueira que um dia esteve acesa, agora era uma pilha de cinzas. Algo de baixo da pequena barraca chamou a atenção da garota. Era um papel, amarelado e enlameado. Por algum motivo, não tinha sido danificado, a tinta impressa ainda legível. Lisa resolveu lê-lo:

Como fotografias espalhadas.

MEMORY, chaelisaOnde histórias criam vida. Descubra agora