⠀ ㅤ capítulo oito.

821 76 56
                                    

Os dias passaram com uma rapidez inebriante, e quando tomei consciência disso, já se contavam sete semanas e meia desde que as aulas começaram e um mês e duas semanas que me mudei, mas mal acompanhei a linha de raciocínio sem me perder em outros pensamentos. Os sonhos — ou pesadelos, como preferia chamar — que vinham inundando minha mente nos últimos dias me faziam parecer que eu estava quase em um estado vegetativo: falava o mínimo possível e passava boa parte do tempo na minha própria bolha de preocupações, analisando cada detalhe que me lembrava dos meus sonhos e tentando pôr algum significado neles. Mas não consegui entender boa parte deles.

Todos pareciam lembranças compartilhadas de outra pessoa, um desconhecido aos meus olhos e mente, mas ao mesmo tempo familiar. Era extremamente confuso, e isso me consumia mais do que deveria. As conversas que ouvia na maioria das vezes não faziam o menor sentido, girando em torno de deuses — quão irônico —, estratégias de ataque de um plano que quanto mais escutava sobre, menos entendo, e não menos importante, uma guerra. A palavra aparecia em tópico algumas vezes, mas nunca durava muito já que quem quer que fossem as pessoas presentes nos meus sonhos preferiam não aprofundar o assunto. Quase como se temessem que pronunciar vezes demais tal palavra iria fazer com que se realizasse.

Às vezes, meus sonhos me mostravam cenas de tempos antigos, como se fossem memórias de alguém que se foi há muito tempo e nenhuma delas me parecia desconhecida, o que me confundia ainda mais. Quem eram aquelas pessoas nos meus sonhos e por que me entristecia tanto vê-las?

Em paralelo a isso, as coisas avançavam devagar na escola. Recebíamos algumas tarefas durante a semana — que eu tinha muita dificuldade em terminar por conta da dislexia, do TDAH e da minha mais nova companheira, insônia — e se os professores se sentissem generosos o suficiente, adiavam os trabalhos para alguma data do próximo mês. Gostaria de dizer que me enturmei bem com os amigos de Luke, e de fato, eles eram bem gente boa e bons de papo, mas eu andava tão alheia a tudo que eu simplesmente não conseguia manter uma conversa por mais de quinze minutos com nenhum deles. Era certamente frustrante. Luke parecia a cada dia mais incomodado pelo meu comportamento, e meu irmão não passava muito longe de se preocupar tanto quanto sobre isso também.

E por mais que eu tentasse organizar as ideias, sempre perdia o foco, fosse por estar cansada demais ou por visões de coisas sombrias o suficiente para me darem calafrios e me acordarem no meio da noite suando frio e com lágrimas que não lembrava ter chorado. Eu sonhava com mortes, mas não mortes de outras pessoas, mas a minha. De novo, de novo e de novo. Sempre de uma maneira diferente e mais dolorosa. Eu me lembrava da dor como se ela fosse minha e demorei dias para me recuperar dos sonhos. Eu mesma não entendia o que se passava dentro de mim e isso me assustava. Não. Me aterrorizava. Com os meus braços abraçando minhas pernas e as apertando contra o meu peito, me deixei enterrar a cabeça sobre meus joelhos em busca de conforto.

Era terça de madrugada e a luz amarela de um dos postes da rua atravessava a fresta da minha cortina e iluminava parcialmente minha cama e o chão. Mesmo agora sentia a ansiedade me fazendo tremer, ainda que levemente; me abracei ainda mais forte. O comportamento estranho da minha mãe não desapareceu, ao contrário, apenas piorou. Agora, quando não estava no plantão do hospital, ela constantemente ficava ao lado do telefone, falando com alguém que eu não fazia a mínima ideia de quem era, mas não me incomodei em tentar descobrir quem era. No início, eu até considerei em discar para o número que estava no histórico mas travei antes mesmo de pegar o telefone. Eu hesitei.

O medo de me arrepender depois de descobrir a verdade serviu como um grande incentivo para evitar o assunto ou qualquer ação imprudente.

Encarei o nada, concentrada demais para focar o olhar em qualquer coisa. As palavras do meu irmão ecoavam altas e claras dentro da minha cabeça. Spence, seu pai é um deus. Seria isso... possível? Seria essa a razão de eu nunca ter tido o meu pai ao meu lado? A razão pela qual eu sempre procurei algo que nunca esteve ali realmente? Mordi o lábio, tentando reprimir a vontade de chorar. Queria me convencer do contrário, queria acreditar que era só uma brincadeira idiota de Henry e que ele só queria me irritar. Porque era mais fácil acreditar que meu pai era um cretino, conclui. Porque era mais fácil fingir que aquela ideia não existia, que não era verdade.

a tempestade de ouro ━ hdoOnde histórias criam vida. Descubra agora