* O Cangaceiro Pele-clara *

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– Pela luz que me alumia! – disse o homem com voz esganiçada, um tom agudo demais. – Te juro pá tú que foi assim que aconteceu!

– Ah homi... – respondeu o amigo, incrédulo e segurando um sorriso debochado. – Vai querê mesmo que eu acredite nessa lenga-lenga que me contô, Zezim?

– Ará! Mas eu num tava lá e vi?

– E foi, é?

– É... Eu tava do lado do meu sinhô... Eu vi tudo, de pertinho... Assim como aconteceu...

***

Já era tarde da noite e o céu estrelado do sertão não ostentava nenhuma nuvem. Somente a imensa Lua amarela gigantesca e os incontáveis pontos iluminados que sempre traziam em si um tanto de mistério sobre o que haveria além do firmamento.

Vestindo roupas vistosas, o cangaceiro usava chapéu em forma de meia lua, enfeitados com moedas de pratas. Por toda a extensão de seu um metro e oitenta, um sem fim de penduricalhos e dois pentes de rifle cruzavam o peito magro, mas não por isso menos forte. Sua pele alva causava espanto ao toque do luar do agreste. Era quase impossível imaginar um cangaceiro tão branco, sem marca de sol. Mas aquele era Tônho Descorado. Recebeu o nome justamente pela falta de cor que demostrava ter. Ora, mas que cangaceiro poderia ser assim tão branco?

O mistério sobre o malfadado filho único da parteira do sertão vinha de tempos sendo questionado. O Pai, muitos diziam, era um boto. A mãe, comentavam, era filha da mula-sem-cabeça. Mas tudo não passava de um "disse me disse" sem fim e nada, além disso. Mas era fato que Tônho Descorado nunca fora antes derrotado. Mesmo Lampião, o invencível Rei do Cangaço, em um encontro curto, deixou que o cangaceiro branco fosse embora vivo e sem cobrar um só vintém do sortudo de bunda virada para a Lua. Lua esta que, aliás, cobria a pele de seda do rapaz. Não era velho, não de rosto. Era notável sua cútis límpida e sem rugas. Nunca fora visto pelo agreste enquanto o sol ardia. Mas, ora, quem era, então, o tal Cangaceiro Tônho Descorado, que nunca aparecia na vila enquanto uma turba de gente maltrapilha se acotovelava para que pudessem acompanhar a missa em homenagem ao tão querido Padim Ciço? Seria ele um endoidecido que desafiava a fé dos homens e fazia pouco do nome de nosso Senhor Deus todo-Poderoso?

E foi numa noite como aquela que foi-se sabido de quem se tratava ser o cangaceiro Pele-clara. Há tempos notava-se o sumiço dos bichos da fazenda de Seu João-dente-D'ouro, o mais rico daquelas bandas. Sua filha mais nova, única mulher, também estava estranha, declamando poemas por um tal de Antônio da Noite. Era "Antônio da Noite" pra lá, "Antônio da Noite" pra cá... A menina que só pensava em namorar estava estranha por demais!

Assim sendo, Seu João-dente-D'ouro resolveu averiguar a situação de sua herdeira donzela. Não ia permitir que um qualquer manchasse a honra de sua pequena, de forma alguma! Reuniu seus cangaceiros e ficou na espreita, aguardando como sentinelas atrás da moita. E eu estava lá.

– É hoje que eu pego esse cabra safado! – disse o dente-D'ouro.

Quando viu a filha se achegar montada no lombo do garanhão daquele Tônho Descorado, quase não respondeu mais por si. Foi quando segurei o rifle que meu sinhô já erguera. Disse que era cedo para tirar maiores conclusões sobre o acontecido. D'ouro ficou carrancudo, mas pôs-se em silêncio a partir de então.

As cenas que se seguiram pareciam não condizer com nossa realidade daquele momento. O cangaceiro pele branca nem mesmo se parecia mais com um sertanejo como nós. Seus trejeitos agora eram outra coisa... A menina, coitada, parecia... Enfeitiçada!

Seu João dente-D'ouro estava espumando de raiva e já não podia mais se aguentar apenas assistindo aquele Tônho Descorado meter as mãos em sua pequena! Deu um grito ensurdecedor e saltou da moita a qual estávamos com o rifle na mão, esbravejando todo tipo de nome feio que se pode imaginar!

O Vampiro do Cangaço.Onde histórias criam vida. Descubra agora